O piauiense Clodomir Ferreira morreu, aos 72 anos, na manhã desta terça-feira (16). O artista estava internado no Hospital Brasília, no Distrito Federal, para o tratamento de seis tipos de câncer. Ao lado dos irmãos Climério e Clésio Ferreira, Clodo foi muito importante para a Música Popular Brasileira (MPB). Radicados em Brasília, os irmãos são compositores de diversos sucessos. Os três formaram o grupo São Piauí.
O jornalista, cantor e compositor potiguar Roberto Homem publicou uma entrevista com Clodo no jornal Zona Sul, de Natal, em 2003. Aqui reproduzimos o texto publicado também no Medium de Roberto Homem. Confira:
Tive a felicidade de me aproximar de Clodo Ferreira em um hotel aqui de Brasília, quando ele se preparava para ser entrevistado pelo jornalista e humorista piauiense João Claudio Moreno e eu aguardava Moreno para almoçarmos juntos. Poucos dias antes, eu tivera a felicidade de assistir a um show de Clodo, numa casa de fondue, também em Brasília. Conversando no hotel, descobri que eu e Clodo morávamos em prédios que ficavam de frente um para o outro. Existe alegria maior para um fã descobrir que da janela de sua sala ele podia vislumbrar a janela do grande ídolo? Em novembro de 2003, recebi Clodo para a conversa que foi publicada pelo jornal Zona Sul, de Natal, e agora reproduzo no Medium.
Revelação na ponta do lápis
O cantor, compositor, professor e publicitário Clodo Ferreira ocupa um espaço importante na música brasileira desde meados da década de 1970
Tanto integrando o lendário trio Clodo, Climério e Clésio, quanto em carreira solo, ele é responsável pela autoria de várias canções que estão gravadas na memória de sucessivas gerações, como: Cebola Cortada (Petrúcio Maia e Clodo), Corda de Aço (Fagner e Clodo), Ave Coração (Clodo e Zeca Bahia), Revelação (Clodo e Clésio Ferreira) e Ponta do Lápis (Rodger Rogério e Clodo). Apesar de tanto tempo na estrada, Clodo nunca esteve em Natal. Ele chega agora, pela primeira vez, nas páginas do Zona Sul. A nossa torcida é que, em breve, ele também possa estar fisicamente, para mostrar seu trabalho aos potiguares e conhecer o que o Rio Grande do Norte tem de melhor (Roberto Homem)
ZONA SUL — Muitas pessoas, até hoje, pensam que você é cearense da turma de Fagner, Ednardo, Manassés, Teti, Rodger Rogério e Petrúcio Maia. Por que essa confusão toda, já que você é piauiense?
CLODO — Acredito que essa confusão se dê porque, na década de 1970, eu, Climério e Clésio tivemos uma proximidade muito grande com alguns compositores cearenses. Eu, por exemplo, cheguei a morar, durante um ano, na casa de Rodger Rogério e de Teti, em São Paulo. Durante esse tempo, fizemos muitas parcerias. Talvez, uma outra razão seja o fato de Fagner ter gravado algumas músicas nossas que ficaram bastante conhecidas. Também podem ter contribuído as composições que Climério fez com Ednardo. Tudo isso fez com que algumas pessoas imaginassem que fôssemos cearenses. Na verdade, eu sou de Teresina. Inclusive, o primeiro disco de Clodo, Climério e Clésio recebeu o título de São Piauí. Enfim, acho que a confusão se dá mesmo por causa das músicas conhecidas feitas em parceria com os cearenses. Petrúcio Maia, por exemplo, é meu parceiro na música Cebola Cortada, para a qual fiz a letra e ele a música. Ednardo é parceiro de Climério na música Enquanto Engoma a Calça e em outras também conhecidas. Manassés participou dos meus dois CDs solo. Essa proximidade toda pode ter levado algumas pessoas a considerarem que somos cearenses.
ZONA SUL — Clodo, Climério e Clésio transformaram-se em sinônimo de música de qualidade a partir de meados dos anos 1970. De quem os irmãos Cli-Clê-Clô (título de composição de Nara Leão, Fagner e Fausto Nilo em homenagem aos três) herdaram o talento musical? Muitos músicos na família? Como foi que tudo começou?
CLODO — No meu caso, essa influência musical veio dos irmãos. Sou o mais novo dos três, e eles começaram a tocar e a compor antes de mim. Fora disso, embora eu não considere uma influência, eu soube que meu pai tocava violão, embora eu nunca tivesse visto. A história é que, quando casou, parou de tocar. Nunca o vi tocando, só ouvi dizer. Uma vez eu estava tocando violão em casa e ele me disse que uma das cordas estava desafinada. Esse episódio foi uma comprovação, para mim, da teoria de que ele tocava. Em Teresina, naquela época, também se ouvia muita música. Era comum estar próximo de música, ou de manifestações populares, como o bumba-meu-boi. Também tinha aqueles alto falantes tocando música nas ruas. Isso tudo era muito presente em Teresina, naquela época.
ZONA SUL — De que fontes você bebeu para moldar sua personalidade musical? O que costuma ouvir? O rádio foi importante na sua formação como compositor e artista? Quando começou a pensar em ingressar no meio artístico
CLODO — Quando olho para trás, hoje, percebo que tive algumas influências básicas. A primeira delas é a memória do som que ouvia na infância e no início da adolescência, ainda lá no Piauí. O rádio era muito importante naquela época. Minha irmã mais velha, que infelizmente perdi há pouco tempo, tinha um caderninho com suas músicas preferidas anotadas. Muitos sambas-canções e boleros. A década de 1950 tinha uma carga emotiva, aquelas valsas e serestas. A própria bossa nova demorou a chegar no Piauí. Conseguir um disco de João Gilberto, era uma façanha. A música nordestina também fazia parte desse ambiente, é claro. Depois, sinto que recebi um toque dos Beatles. Sou uma pessoa urbana, não sou uma pessoa rural. Minha formação emocional tem a lembrança infantil de Teresina, mas a cidade já era a capital do Piauí. Dessa forma, reconheço a influência que recebi dos Beatles, principalmente no gosto que tenho até hoje pelas baladas. Mais tarde, reconheço uma importância grande, na minha formação, recebida de Caetano Veloso e da Tropicália. Foi a partir daquele momento que imaginei que eu poderia ser artista também. Passei a me sentir liberado de alguns padrões da época. Antes, talvez eu não me achasse habilitado. Além da questão da voz, a Tropicália trouxe nas letras das composições uma temática mais próxima da nossa realidade. A música deixou de ser aquela coisa rebuscada. Falar do cotidiano passou a ser considerado arte. Diante disso tudo, senti vontade de também fazer minhas composições. Aquele era o jeito que eu queria. Posteriormente, já adulto, passei a observar com mais carinho e maior atenção a grandes compositores brasileiros, como Cartola. Na verdade, eles foram mesmo redescobertos pelo mundo musical brasileiro muito mais tarde. Esse pessoal da velha guarda também aprimorou meu desejo de compor.
ZONA SUL — Como foi a troca do Piauí por Brasília? Ainda sente saudades de sua terra?
CLODO — Naquela época, nossa vinda para Brasília teve uma carga de esperança, de buscar um novo caminho. Clésio e Climério vieram antes, para estudar. A intenção era buscar uma melhor qualidade na educação. Meu pai tinha um grande desejo que a gente se desenvolvesse nessa área. E ele conseguiu com que todos os seus filhos se formassem em algum curso de nível superior. Eu vim trazido, não participei da decisão. Na época, tinha 13 anos de idade. Antes de trocar o Piauí por Brasília, passei dois anos no seminário de Teresina. É uma lembrança boa, não tenho recordações tristes de lá. Em 1975, concluí jornalismo e publicidade na Universidade de Brasília (UnB). Fiz essas duas habilitações. Em seguida, resolvi passar um ano em São Paulo para experimentar a vida artística. Foi nessa época que morei na casa de Rodger e Téti. No mesmo período, Climério morava em São José dos Campos, cidade próxima a São Paulo.
ZONA SUL — Em Brasília você morou em uma quadra da Asa Norte, a 312, reconhecida até hoje como um centro difusor de cultura. Atualmente uma das principais atrações culturais da cidade é o evento promovido pelo açougue localizado naquela quadra, o T-Bone, que reúne música, literatura, dança e artes plásticas. Como eram os encontros culturais daquele tempo? Quem participava?
CLODO — Morei primeiro, durante três ou quatro anos, em Taguatinga, uma cidade satélite. Foi naquela época que comecei a ter um contato mais direto com a música. Comecei a compor aos 15 anos de idade. Participei de inúmeras atividades musicais, lá. Tocava contrabaixo em um conjunto chamado Os Geniais. Na fase adolescente, fiz dupla com uma amiga chamada Ana. Imitávamos Leno e Lílian. Decorávamos aqueles vocais, era época da jovem guarda. Foi também em Taguatinga que comecei a compor em parceria com meus irmãos. Com Clésio, eu fazia a letra, e com Climério, a música. Eu era como um coringa, já que um era bom letrista e, o outro, bom melodista. De Taguatinga fui para a quadra 312. A 312 era considerada uma quadra muito cultural. Como foi construída antes de todas as outras quadras da Asa Norte, ela ficou, durante muitos anos, meio isolada. Não sei se isso contribuiu, mas a 312 era extremamente produtiva, tinha muita gente ligada à arte. Foi lá que conheci o meu parceiro Zeca Bahia. Fizemos muitas músicas em parceria, embaixo dos blocos e quadras. Mesmo depois que casei, permaneci morando lá durante muito tempo. Acho que entre 15 a 20 anos. Lembro de uma atividade que teve por lá, chamada Panelão da Arte, que reunia shows coletivos ao ar livre, gratuitos. Foi um evento importante. Dizem que Fagner também morou por lá, mas não o conheci na quadra, nunca o vi por lá.
ZONA SUL — Além de artista, você é professor da UnB e — segundo meu amigo jornalista e baiano João Carlos Teixeira — excelente publicitário. Como conciliar estas facetas todas?
CLODO — Fui publicitário profissionalmente durante cerca de 15 anos. Trabalhei nas agências como redator, em Brasília. Quando entrei na UnB acumulei as funções de professor e publicitário. Mas, em seguida, resolvi optar por ficar apenas na UnB, onde já estou há 20 anos. Sou professor de Criatividade na Comunicação. Recentemente criei uma disciplina nova chamada Comunicação e Música, que tem como finalidade estudar a relação da música dentro da comunicação, desde a década de 1920 pra cá. O programa do curso inclui informações sobre como era a relação da música no rádio, no cinema e na publicidade. Sou lotado no Departamento de Audiovisuais e Publicidade. Na verdade, eu nunca parei de manter uma outra atividade profissional regular, só para me dedicar à música. Sempre fiz música e tive uma outra profissão de onde tirar o meu sustento, digamos assim. Não dependo da música pra comer. Eu sempre quis preservar minha capacidade de fazer música sem ter que me submeter a outras imposições por uma questão de sobrevivência. Me sustento para poder fazer a música como eu quero. Isso tem vantagens e desvantagens, mas não me arrependo de ter feito essa opção. Até porque, depois de 30 anos, não dá pra dizer que não deu certo. Nada dá errado durante tanto tempo. Não posso dizer que não fiz uma boa escolha.
ZONA SUL — A formação do trio Clodo, Climério e Clésio ocorreu naturalmente? Por quanto tempo integraram esse grupo e por que não continuam mais? O que seus irmãos estão fazendo atualmente?
CLODO — Começamos a tocar em grupo depois de um programa do qual participamos em 1976. Nós nos apresentamos individualmente, mas o produtor do programa entendeu que formávamos um grupo. Como cada um se apresentou após o outro e ficamos juntos no palco, ele teve essa impressão. Isso aconteceu em São Paulo, em um programa chamado “Mambembe, a Vez dos Novos”, da TV Bandeirantes. Depois desse programa, a gravadora RCA nos convidou para a gravação de um disco como Clodo, Climério e Clésio. Foi aí que percebemos, pois nunca tinha nos ocorrido, que poderia dar certo. Nosso último elepê lançado juntos foi o Afinidades, em 1992. Foi o sexto Clodo, Climério e Clésio. Desses seis, três saíram por gravadoras e três de forma independente. Depois saiu ainda uma coletânea, o único registro em CD do trio, lançada pelo T-Bone. Nessa época, o grupo já tinha acabado, depois de ficarmos juntos 17, 18 anos. Como a gente fez o grupo meio por acaso, chegou um momento em que cada um foi construindo sua vida, sua família, seus compromissos. Eu fui o último a admitir o fim do grupo, segurei até onde pude. Mas chegou um momento em que vi que estava na hora de fazermos as nossas coisas individualmente. Depois disso, Climério gravou um CD sozinho, chamado Canção do Amor Tranquilo. Cada um de nós foi fazer suas coisas da forma como queria, preservando as individualidades, que nunca deixaram de existir. Em 1998, resolvi desenvolver um trabalho solo, fazer shows e gravar discos. De lá para cá já lancei dois CDs e tenho realizado bastante shows.
ZONA SUL — Qual o primeiro sucesso de Clodo, Climério e Clésio? E qual o seu sem a parceria dos irmãos? Quando alguém ouvir falar no seu nome, você gostaria que essa pessoa lembrasse de qual das suas músicas?
CLODO — Acho que a música de autoria de Clodo, Climério e Clésio que alcançou maior repercussão foi Por Um Triz, gravada por Nara Leão. Agora, Revelação, música de Clésio e letra minha, foi a de maior sucesso. Foi gravada por Fagner e regravada várias vezes por artistas como Simone, Engenheiros do Hawai, Wando, Razão Brasileira… Eu mesmo gravei no primeiro CD solo, o Corda de Aço, que está esgotado. Outra bastante conhecida é Cebola Cortada, letra minha e música de Petrúcio Maia. Outra que Fagner gravou, junto com Ney Matogrosso, foi Ponta do Lápis, uma parceria minha com Rodger Rogério. Com Zeca Bahia compus Velho Demais, que entrou na trilha sonora da novela Sem Lenço Sem Documento, da Rede Globo. No total, tenho mais de 100 músicas gravadas. Acho que, de todas elas, a que gostaria que lembrassem quando alguém falar no meu nome seria Ave Coração, parceria minha com Zeca Bahia.
ZONA SUL — Algumas de suas músicas são dedicadas a alguém especificamente? Conte também para os leitores do Zona Sul sobre suas parcerias mais importantes, além da realizada com seus irmãos.
CLODO — Como faço música em grande quantidade, não costumo pensar em dedicar ou compor para alguém especificamente. Dificilmente uma música minha tem um tema biográfico. Não funciona assim. Se estou triste, não necessariamente vou fazer uma música triste, ou, se estou alegre, não significa que vou fazer uma música alegre. Não faço música por um impulso do momento, ou como se fosse um diário. Não é assim que funciona, pelo menos para mim. Às vezes alguém fala: “puxa, você quando escreveu a letra de Cebola Cortada devia estar em contato com a natureza, curtindo os pássaros…”. Não é assim, até porque, quando estou na praia, estou curtindo a praia; na natureza, curtindo a natureza, e assim por diante. Evidentemente, imagino que meus sentimentos apareçam nas músicas. Isso é inevitável, mas não é uma coisa intencional. Como parceiro, eu destacaria o Zeca Bahia, que era amigo da adolescência, quase irmão. Na juventude, éramos do mesmo grupo. Com ele fiz Ave Coração, Beijo Insosso, Placa Luminosa… Destacaria também Dominguinhos, com quem fiz, entre outras, Carece de Explicação, gravada por Fafá de Belém, e Coberto de Razão, que Ângela Maria gravou. Também tive uma parceria com ele, Querubim, lançada no exterior em um disco de forró de David Byrne. Esse CD é uma seleção de músicas do Brasil e a nossa está incluída. Com Petrúcio Maia, com quem fiz Cebola Cortada, tenho algumas outras parcerias inéditas para serem lançadas. Embora em menor quantidade, também compus com Fagner. Fizemos, por exemplo, Corda de Aço, que ele gravou, e, Meio-Dia, gravada por Zizi Possi. Também tenho parcerias com Rodger Rogério, Fausto Nilo… Esses fora os mais constantes.
ZONA SUL — Na década de 1970, um selo ligado a CBS, o Epic, reuniu vários artistas que estavam despontando na época, entre eles Clodo, Climério e Clério. Como foi essa experiência?
CLODO — Foi uma experiência bastante relevante porque reuniu nomes que depois tiveram grande repercussão. Se não me engano, eram 35 contratados. O selo era dirigido pelo Fagner. Ele tinha uma influência muito forte. Foi nesse contexto que gravamos o nosso segundo disco, Chapada do Corisco. O selo reunia, entre outros, Elba Ramalho, Zé Ramalho, Amelinha, Geraldo Azevedo, Robertinho de Recife, Cátia de França e Terezinha de Jesus. Sinto saudades não só pelo Epic, mas daquele momento da MPB, quando eu me identificava com a música que era feita. Eu me sentia muito à vontade. Sinto saudades da relação que o público tinha com a música daquela época. Se não estou enganado, as pessoas daquele tempo têm uma lembrança forte de como aquela música era substancial. Mesmo hoje, quando a gente canta algumas daquelas músicas, o público lembra como uma força. Tenho saudades daquele clima.
ZONA SUL — Você guarda alguma mágoa, ou má recordação, dessa sua vida de artista?
CLODO — Eu diria que não. As coisas podem não ter acontecido como eu imaginei, quando tentei fazer carreira artística em São Paulo. Mas elas encontraram uma outra forma de acontecer, que talvez tenha sido melhor. Terminei continuando a fazer músicas e a lançar discos. Para uma pessoa com 30 anos de carreira, com tantas músicas gravadas e vários discos feitos, só me faltou, talvez, uma consagração explícita. Acho que seria bom para a minha vaidade e também para a divulgação do meu trabalho. Mas não acho que tenha porque ficar com más recordações.
ZONA SUL — Como é seu processo de composição de uma música? O que mudou com a chegada do computador?
CLODO — Meu processo de composição tem uma certa constância. Componho constantemente. Sempre estou pensando na possibilidade de compor uma nova música. De vez em quando, concretizo. Com o afastamento natural dos parceiros do dia-a-dia, o que mudou mais recentemente foi que me vi em uma situação de compor sozinho, tanto letra quanto música. E isso tem me agradado. De repente, estou gostando da experiência. Não que eu esteja fechado aos parceiros, mas estou gostando de fazer letra e música. Tem sido estimulante. Quanto ao computador, o que tem me facilitado — como tenho algum rudimento de Encore (software editor de partituras) — é na hora de registrar algumas melodias ou construir arranjos e linhas melódicas de instrumentos. Esse programa torna muito mais prático. Por outro lado, o computador não tem sido influente no processo de compor. Prefiro o violão.
ZONA SUL — Seus dois filhos, João Ferreira e Pedro Ferreira, estão começando a acompanhá-lo em shows e também participaram da gravação do seu último CD, o Gravura, lançado pelo selo da UnB Discos. Esses legítimos herdeiros são mesmo seus sucessores na música?
CLODO — Eles são músicos. João estuda música na Escola de Música de Brasília. Pedro também já estudou lá. Os dois têm seus próprios grupos e já estão começando a compor também. Eu diria que talvez eles sejam meus herdeiros no gosto pela música. Não sei se são em estilo, até porque eles têm uma outra vivência e perspectiva da música. João toca violão e Pedro percussão. Agora, pela idade deles — Pedro tem 24 e João 22 — acredito que, mais do que herdeiros, vão me superar em termos de música, já que estão se desenvolvendo muito bem. Penso que eles terão caminhos próprios. Agora, como músicos, a presença dos dois foi muito importante no meu último disco. Não como herdeiros, mas como parceiros na construção do trabalho. E essa experiência tem me deixado muito feliz.
ZONA SUL — O que você costuma ouvir atualmente? Que compositores, cantores e cantoras mais lhe agradaram nessas últimas gerações?
CLODO — Recentemente, me impressionei com a Simone Guimarães. Não só pela sua voz, mas também pela personalidade. Acho que é uma cantora que terá um papel de destaque dentro dessa nova geração. Também gostei muito de Ceumar, outra que tem muita personalidade. Até por influência dos meus filhos, tenho ouvido alguns grupos do Nordeste e tenho gostado muito, como Mestre Ambrósio e Cordel do Fogo Encantado. Ouço meio que de carona, já que eles colocam pra ouvir e eu termino escutando também. Agora, dos consagrados, está me dando enorme satisfação ouvir os discos de Edu Lobo e os de Nana Caymmi. Dos novos compositores, me senti atraído pelo trabalho de Zeca Baleiro. Acho que ele conserva, de alguma forma, o vigor que facilmente se encontrava nas músicas da década de 1970. Ele tem uma poética que lembra a definição estética daquela época. E isso me agrada.
ZONA SUL — Você vem lotando as casas de espetáculo de Brasília com um show montado só com músicas do sambista Sinhô. E para o futuro, o que você está planejando?
CLODO — O show de Sinhô, para mim, foi uma abertura. Eu costumava cantar apenas as músicas de minha autoria. De repente, me deu vontade de fazer um show com músicas de Sinhô, que, na verdade, é anterior ao samba. Pareceu que seria importante apresentar ao público atual algumas músicas que fizeram sucesso naquelas décadas e depois sumiram, não ficaram na memória. O show reúne músicas com arranjos deliciosos. Superei meu cuidado de não me apresentar como cantor. Na verdade, não me considero um cantor, sou mais compositor. Mas, agora, estou admitindo a hipótese de também ser intérprete. Percebi que posso, além de cantar as minhas músicas, interpretar algum repertório nem tão disponível. Isso abre uma perspectiva boa de ampliar minha capacidade de expressão. Confesso que jamais imaginei que fosse me aventurar por esse caminho. Mas, pela receptividade que tenho tido, pode ser uma coisa a ser trabalhada. O show com as canções de Sinhô reúne 10 músicas desconhecidas do público atual, com arranjos de época. Além da interpretação dessas músicas, acrescento informações de pesquisa. Não é só um show de cantar música, mas também de informar, de sensibilizar e de contextualizar a vida do artista. Para o futuro, estou pensando em investir mais nessa linha de resgatar algum repertório específico. Também pretendo continuar produzindo e gravando coisas novas. Estou querendo encontrar uma forma de ampliar minha área de atuação além de Brasília. Tenho trabalhado muito aqui, também em Teresina, e, eventualmente, em Fortaleza. Gostaria de ampliar a possibilidade de fazer shows em outros lugares.
ZONA SUL — Como o poeta, que nunca esteve em Natal, imagina que seja a cidade? Existe algum desejo especial de nos visitar?
CLODO — Imagino que Natal seja uma cidade bastante acolhedora. A fantasia que tenho sobre a cidade é que ela seja acolhedora no sentido de que podemos encontrar pessoas que gostem de conversar, de trocar idéias de uma maneira mais calma, de uma maneira não muito intelectualizada, não muito competitiva. Não sei porque imagino isso, mas penso que é uma cidade no sentido mais prazeroso. Tenho desejo, muita vontade mesmo, de conhecer Natal. E se possível, até fazer shows por lá. Uma coisa que eu não sabia, e que achei interessante, é que Leno é de lá. Ele faz parte da minha formação musical na adolescência. Era a voz que eu fazia cover. Cheguei a conhecer um pouco do trabalho dele após o fim da dupla com Lílian. Tenho até curiosidade de saber o que ele anda fazendo hoje. Também conheci a Lílian, que era irmã de um amigo meu de Brasília. Victor Knupp. Imagino que em Natal, como em outras cidades do Nordeste, deva ter uma produção cultural muito viva e relevante.
ZONA SUL — Para encerrar, o que você gostara de responder que não lhe foi perguntado?
CLODO — Gostaria, não por vaidade, mas por praticidade, que eu fosse tão conhecido como algumas de minhas músicas. Dessa forma, eu teria maior possibilidade de viajar, de fazer shows e também condições de divulgar o trabalho que continuo fazendo. Se as pessoas me conhecessem como conhecem muitas dessas músicas, seria muito mais fácil continuar a me realimentar para produzir cada vez mais.
Fonte: Roberto Homem