Foto: Divulgação
Passagem Franca no Maranhão
O tempo é fugaz! E, canta a melhor poética de Fernando, que “a arte existe porque a vida não basta”.
O que passa e o que fica são a matéria e a alma pulsantes da História. Nesta se realiza o alcançável na ordem de todas as coisas. A consideração do passado faz pulsar o presente, que está a meio caminho do futuro, este imponderável elemento do que será. Ao passado a interpelação: quando, qual, como... algo se deu pela primeira vez? Há certa mítica na apreensão do ato fundador.
Em Passagem Franca, que tem mais de dois séculos, e que é meu lugar de nascer, há quem pergunte, no tempo de hoje: qual a mais antiga casa comercial da cidade? A resposta é simples mas não é simplista a abordagem do fato.
Messias Campos, um homem-artesão inventivo, há quase sete décadas, instala na já secular cidade, uma oficina de confeccionar artefatos de couro; em sua linha principal, os calçados: sandálias ou alpercatas, chinelos, sapatos e botinas. Lá pelos anos 1950 a calçadaria “de fábrica” ainda não prevalecia como possibilidade de ofertar calçados populares. A oficina do Messias envolvia toda a linha de produção, desde o curtume do couro, sua transformação em sola... Aos produtos finais que vendia; em geral por encomenda, tudo sob medida.
Havia na cidade outros artistas do couro, a exemplo de Raimundinho da Maria Viúva, mais seleiro que sapateiro, como se dizia. Messias então se distinguiu, cresceu, agregou valores de inovação, focado sobretudo em calçados, ao fim e ao cabo, uma necessidade nos usos humanos, em socorro do caminhar protegendo os pés que abrem caminhos. Não demorou, a vida econômica e social mudando, a oficina dele se transformou numa loja de produtos de calçar fabricados por indústria de longe e grande escala.
Para ele, já com a experiência de pai e avô, tudo aquilo era o seu mundo, seu centro de gravidade, coisa do homem comum. E maior realização ainda alcançou, quando em sua própria casa surge a possibilidade da experiência de sua artesania e pequeno-grande negócio se prolongar no tempo e manifestar-se de maneira exitosa junto ao corpo social da cidade, que também não para de mudar. O que se deu? A oficina-loja do Messias tornou-se uma loja de calçados, positivamente chamada mais tarde de Glória Modas. O motivo da novidade e do nome? Messias não cuidara somente de sandálias. Com sua mulher, Dina, veio a filha Glória, gloriosa dádiva ao casal passagense, entre outros filhos.
Numa estratégia inteligente de comunicação visual-negocial, a loja familiar ganha o nome de Glória, sinal de bons auspícios, e assim o nome da saparia, já uma referência tradicional na cidade, ganha nova forma e dinâmica. A própria cidade em geral também passando por mudanças significativas quanto à prestação de serviços comerciais.
Glória não ficou somente no nome-fantasia da oficina-loja do Messias, cujas décadas vividas já lhe pesavam sobre o destino e a esposa e companheira lutadora alcançara o silêncio misterioso. Não ficou nisso: a Glória-nome da sapataria tornou-se a Glória-mulher titular da loja, com tino inigualável para atualizar o jeito de conduzir o negócio com calçados.
Glória Modas! Assim a atual geração conhece e se relaciona com a empresária Glória, respeitada por seus conterrâneos. Algo a diferencia em face de tantas outras experiências que não se sustentam por tempo mais longo. Glória entendeu o significado e valor da iniciativa de seu operoso pai e agora lidera a reconstrução de seus sonhos.
A sapataria do Messias, que é a Glória Modas, cumpre uma trajetória virtuosa num ramo mercantil que requer visão e percepção aguçadas para não soçobrar na primeira mudança nas tendências da moda.
Moda é o “império do efêmero”. Glória sabe disso. Sabe que precisa de jeito. Conhece como ninguém os humores de sua gente, suas preferências. Gloria tem o aprendizado de ajustar a direção dos modismos em termos de calçados àquilo que sua aldeia quer e pode calçar. O mais eloquente sinal da inteligência mercantil da Glória nutre-se na beleza de sua inteligência emocional.
Quê? Glória é cidadã plena, mãe-família exemplar, acatada e tem opinião. Comovente sua dedicação aos pais. Qual a sacada maior da Glória, fator essencial da continuação bem-sucedida e que faz da Glória Modas a loja mais antiga de nossa cidade? É a inspiração e arte que Glória Campos encontra de fazer durar a memória do Messias. Sim, tem fé. Feliz.
Fonseca Neto, historiador, Cadeira 1, APL
Siga nas redes sociais
Fonseca Neto
FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.