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Ruas se levantam derrubando estátuas


Manifestação

Manifestação Foto: Divulgação

Uma novidade de considerável impacto na vida social-política brasileira essas manifestações dos dois últimos domingos em meio à mortandade covidesca.

Uma onda popular enche as ruas de muitas cidades ocidentais no rastro do assassinato do estadunidense afrodescendente G. Floyd. Onda que atravessa o Atlântico e acaba arrebentando em marés de indignação sobretudo na Europa. Derrubam-se estátuas de escraveiros.

No Brasil também ecoa o protesto em diversas grandes cidades, a mobilização popular assumindo, além do grito contra o racismo arraigado, outras bandeiras afins. Isto é, enquanto os protestos internacionais têm uma força basicamente antirracista, aqui mais ao sul milhares foram às ruas para escancarar a denúncia do regime chegado ao fascismo, alçado ao poder pelo golpe que derrubou o resultado eleitoral de 2014, interrompendo a pactuação constitucional de 1988.

Os que foram às ruas no Brasil protagonizam uma ação política de grande relevância contra o governo da extrema direita engendrado pelo morobolsorismo que ocupa o poder – de fato –, em nome do projeto neoliberal-obscurantista que macaqueia Donald, Adolf e Benito.

Mas por que dizer protesto geral impactante se não é ele chamado pelos organismos tradicionais dos movimentos sociais? Se não tem a direção e não é chamado por sindicatos, partidos de esquerda, entidades estudantis, coletivos carimbados em tais e justas mobilizações? O impacto parece advir exatamente dessa novidade e diferença.

Há algum tempo se vê uma movimentação da extrema direita ganhando as ruas em defesa de seu chefe, generais e empresariado golpistas, pedindo ditadura e morte, tudo para desmerecer a soberania do Brasil no chamado concerto das nações. Tudo implicando, entre mais, na supressão de direitos sociais alcançados por milhões de trabalhadores e em meio a uma terrível sensação de não haver como retomar o protagonismo das ruas, estas vias que são palcos populares de acontecimentos vivos da história que não pára de se dá. E assim o país afundando... Eis que se configura uma força mobilizadora capaz de se agigantar nas ruas.

O fator da mobilização internacional contra o racismo é decisivo nessas jornadas locais, repita-se. No Brasil reacende ânimos entre a maioria da população com ascendência afro e outros setores, que levantam a bandeira antirracista associada à luta por justiça real e democracia. E na emergência social e política brasileira, a luta pelo “Fora” Inominável e por eleições, reposta a legalidade.

O maior atestado do quanto impacta essa novidade do povo nas ruas contra o racismo e contra a camarilha neoliberal imperante, foi uma reunião no palco da Globo, exatamente na hora que as ruas engrossavam, pela tarde do último domingo. Reunião ante as câmaras com três figuras bem marcadas estrategicamente no jogo do poder da direita e do elitismo senhorial em geral contra a luta do povo: Efeagacê, Ciro e Marina.

Vendo cenas tais, logo lembramos do jeitão desse elitismo antipopular e que detesta a rua vontadosa de luta. Em 1983-84, um pequeno partido e alguns movimentos levantou a campanha das Diretas-Já, aliás, sem o engajamento da maioria dos sindicatos, por exemplo, e com boicote total da mídia oligárquica. Movimento agigantou-se no curso de um ano. E ainda não foi igualado até hoje.

Mas enquanto isso ocorria, o sentido mais relevante da mobilização popular, o fim da ditadura foi praticamente anulado, na artimanha do jogo da dominação insistente, enquadrado na lógica da negociação por dentro, de modo a que se afastasse o povo da rua e triunfasse uma “transição democrática” do jeito que, na essência, os ditadores queriam: a conservação do poder descomunal da farda comprometida com o atraso. Que se transitasse para a ‘nova república’ conservando sem abalos as estruturas do mandonismo brasileiro. O restante, quem quer, sabe do que aconteceu e acontece.

Domingo de novidade nas ruas corintianas e de outras torcidas, tão impactante, que sua antevisão faz as facções dominantes que ensaiavam rachas, rápido, reaglutinarem-se, na sua arte de retirar o povo trabalhador e discriminado da rua para contra ele “fazer política”.   

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.
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