Proa & Prosa

Proa & Prosa

Reis

Nota-se que há nele uma variada abordagem no arco temático proposto, variação também de lugares da experiência examinada

Fonseca Neto

Quarta - 02/02/2022 às 12:58



Foto: Divulgação Reis
Reis

Os estudos pós-graduados na Ufpi avançaram bastante nas duas últimas décadas. No Centro de Ciências Humanas e Letras – CCHL é significava a expansão, do que vem a público um generoso conteúdo, em livros robustos e revistas qualificadas.

Sob vistas, tenho agora o livro Ritos e crenças – a experiência religiosa no contexto histórico-cultural, editado pela Edufpi/Cancioneiro, que encorpa textos de vária autoria, de gente  ligada à Ufpi e à Ufma, área de Antropologia, trabalho organizado por Márcio Douglas de Carvalho e Silva e Ismatônio de Castro Sousa Sarmento.

Textos/artigos: Francisca Verônica Cavalcante (prefácio); Ordens religiosas em erupções: fenômeno religião, abordagem do religioso e capitalismo na visão de Karl Marx e Max Weber, de Joabe Rocha de Almeida e Messias Araújo Cardoso; Rastros de um conflito religioso através da imprensa: a disputa pelo livro sagrado entre católicos e protestantes no Brasil, séculos XVI-XIX, de Jadson Ramos de Queiroz; As festas em honra aos santos padroeiros das irmandades da capitania de Mato Grosso, no século XVIII, de Gilian Evaristo França Silva; Dádiva e esquecimento nos rituais fúnebres dos indígenas Ramkôkamekrá-Kanela, de Ismatônio de Castro Sousa Sarmento; Corpo, pessoa e transformação no ritual da menina moça dos indígenas TenteharGuajajara, idem, de Ismatônio; Práticas de cura e antropologia: análise de rituais de rezadeiras de Delmiro Gouveia, sertão de Alagoas, Sergiana Vieira dos Santos; O que diz a cantoria do reisado, Antonio Vagner Ribeiro Lima; O não pagamento das promessas e os castigos dos santos, Márcio Douglas de Carvalho e Silva; Efeitos simbólicos e afetivos na prática religiosa dos pagadores de promessas a São Francisco em Parnaíba – PI, de Ana Christina de Sousa Damasceno, Christiana de Sousa Damasceno, e Cristiana Brandão de Oliveira; O ungido e libertador, em Parnaíba-PI: da homenagem ao Presidente, às contradições de um sistema marcadamente averso ao princípio de laicidade do Estado, Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda.

Nota-se que há nele uma variada abordagem no arco temático proposto, variação também de lugares da experiência examinada. Há, Piauí, Maranhão, Alagoas e até Mato Grosso. Parece não há tempo e lugar sob a luz história que não realizem a manifestação do imaginário religarioso em diversas formas rituais. No Brasil, de todos os poros do corpo social, os sinais de religiosidade são francamente flagrantes. E dos poros da Academia, cada vez mais profusos, estudos desse universo de manifestações. Nessa coletânea, há reflexões mais afetas às estruturas que muitos chamam de “teóricas”. Mas sobretudo o exame de experiências sensíveis, praticadas.

Exemplifico com o que articula o professor Wagner Ribeiro a propósito do Reisado, no caso, do que viu/ouviu imerso na ritualização do Reis do Mutirão, na cidade município de Demerval Lobão, antigo lugar Morrinhos, sítio de agricultura e criação, aqui nas proximidades de Teresina.

Ribeiro, em cometimento com vistas à sua Dissertação de Mestrado, participou/experimentou a folia de Reis referida, capturando a força que ela traz em seu feixe significante ritualizado, quando rebrota do chão da religiosidade cristã-católica no Brasil e a sincretização com outras tradições.

No Reisado, canta-se no evocar a divindade, os cantos decantados nos sulcos vivos das ruralidades brasílicas de hoje. Ritualiza-se a esperança na caminhada, qual magos o fizeram seguindo a estrela na longínqua madrugada, na Judeia.

“Senhorô dono da casa / Saia na porta da rua / Venha ver o Santo Reis / Que anda em procura sua”: estrofe da cantiga de chegada dos foliões de Morrinhos, com os respondentes em cortejo enfeitados de alegorias de caretas e bichos. Espiritualidade chã, ritos aprofanados, de brincadeira, o povo se movendo em timbre de fé. Estrofe essa da cantiga de Reis, que culmina em 6 de janeiro, tem variação de lugar para lugar. É convite para festejar. Vozes indizíveis dos nossos ardentes rincões cheios de promessas. Há muita beleza no que vem reisando no coração que pulsa nos terreiros que o agro Capital ainda não profanou.

Em outra chave de lembrança, observa M. Domingos Neto, o pensar de G. Mhaler para quem a tradição não consiste “no culto das cinzas, mas na preservação do fogo”. O canto em Reis é tocha ardente do melhor viver comunitário fraterno.   

        

    

Fonseca Neto, historiador, Cadeira 1 da APL. 

Siga nas redes sociais
Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

Compartilhe essa notícia: