Proa & Prosa

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Quem acredita na democracia?

O argumento de alguns: nas várias derrotas eleitorais de Lula, tinha ele um vice da esquerda.

Fonseca Neto

Terça - 04/01/2022 às 19:35



Foto: @Reuters Lula
Lula

Poucos. A prova é dada. Desistamos os poucos pelo realismo dessa espécie de incivilidade demonstrada?

Para que Lula seja eleito e governe futuramente, propõem-se que se garanta previamente aos inimigos do PT de que este não fará o que promete por sua história e projeto.

E qual a maior das garantias que sugerem o PT ofereça? Que o candidato a vice-presidente de Lula seja um adversário, da direita. Na direita, o cálculo é de que teria o seu “reserva” para assumir caso Lula tente ousar. 

O argumento de alguns: nas várias derrotas eleitorais de Lula, tinha ele um vice da esquerda. E nas quatro vitórias (2002 a 2014) do PT, ganhou porque “deu” a vice para a direita. Não acredito que vice eleja ninguém; mas é provado que vice pode desgraçar o eleito: Floriano, Café, Aleixo, Chaves, Temer...  

Pressuposto desse raciocínio de que Lula eleito não governará, sem vice adversário a contrapeso, quer dizer que o sistema de governo não tem infensibilidade em face dos ataques da tradição golpista, tinhosa. Nesse caso, o vice seria o depositário da confiança de que não seria derrubado. E que não adiantaria Lula ser eleito sem a garantia prévia de que governará.

Raciocínio que pressupõe, também, a dura evidência, que ele poderá ser derrubado, tal Dilma o foi, sem reação popular pró democracia. Alarma o déficit de engajamento pela democracia no Brasil.

Qual a escolha? Render-se a tal evidência, e aceitá-la, com o vice engajado no golpismo? Ou partir para fazer da eleição um passo relevante para avançar a própria democracia? E reverter o acelerado processo antinacional-neoliberal que o golpe 16 vem impondo contra o povo brasileiro?

Fazer aliança político-eleitoral com setores não-petistas historicamente comprometidos com os valores humanos, a igualdade e a justiça, é dever que a conjuntura impõe buscar. Lula deve empenhar sua liderança nessa direção.

Um golpe impediu sua candidatura em 2018, com vitória provável. Foi aprisionado por uma trama criminosa hoje amplamente conhecida. E quem soltou Lula? Um punhado de militantes sociais e políticos que, sob repressão policial, chuva e frio, fez vigília na porta da prisão, potencializou em seu favor uma mídia alternativa, inclusive externa.  

Lula cometerá o maior dos seus erros se não levar em conta o significado da ação militante, aguerrida, que resistiu, na rua, ao golpe. Militância que  não se conformou com seu aprisionamento, conformando-se com a mera ocorrência da real política.

A homenagem que setores internos do PTSP querem fazer aos golpistas – para “prevenir” de mais golpe –, afronta, inclusive, uma grande liderança não-paulista, Dilma Rousseff.

A defesa prévia da chamada governabilidade do “presidencialismo de coalizão”, a rigor, e os acordos que pretendem em torno da figura de Lula – agora solto e com sinais de favoritismo –, devem animar o avanço, não ao atraso.

Os defensores do vice da direita como concessão do PT para garantir a governabilidade em caso de vitória, estão convencidos de que sem isso não se deterá o inimigo número um do país e seu esquema chegado à ditadura, armado até dos dentes.

Tomar um partidário do golpismo como vice na alternativa da esquerda é querer barrar o próprio golpismo renunciando à tarefa histórica de radicalizar a democracia e buscar a transformação social que mais importa às maiorias sociais.    

Dilma foi derrubada porque não aceitou essa pragmática visão de que “não adianta vencer e eles não deixarem governar”. Não cedendo no essencial do mandato que recebeu, com seu gesto, deu grandioso exemplo aos esperançosos da república no Brasil.

Lula conciliador? É. Mas daí transformar figurões indigestos do golpe como articuladores do futuro, a exemplo do copresidente do Tribunal do Golpe, empalidece seu papel na conjuntura e na história do povo brasileiro.

Especular? Seja Lula-Dino; Lula-Boulos; Lula-Requião; Lula-Dilma/Gleisi; Lula-Tantas belas criaturas.  

 

Fonseca Neto, historiador, 

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Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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