Proa & Prosa

Pedra da memória e das vitórias invictas


Oeiras

Oeiras Foto: Francisco Gilásio

A cidade de Oeiras, antiga capital do Piauí e dos Sertões de Dentro, é uma póvoa elaborada por gente que fazia a vida criando gado e plantando em oásis casuais. “Brejeiros crentes” –  dessa gente disse um amante da localidade – liderados por dois padres, Miguel e Tomé. De Carvalho, ambos.

Raros lugares têm sua fundação narrada com ata e tudo, tal ficou registrado sobre essa velha cidade, entre as dez mais longevas da portugalidade americana. Fundando uma igreja matriz fundaram uma cidade. E a fundaram contra os mandões antecipados da gleba, que destruíram a obra iniciatória.

A constituição da marca invicta da futura Oeiras vincula-se a esse episódio glorioso, erguendo uma cidade de pedra, sobre o manto duro lajeado do chão ribeiro do Mocha. Lajeiros lavrados, lavração das pedras de seu destino comum de tranqueirinos cristãos. Por quê? Nos pagos da memória inventariada na posteridade, os que aniquilaram a obra dos fundadores é que seriam mais amados...

Em 1823, doze décadas depois de sua fundação, sede de província, Oeiras é cenário de episódio decisivo para a construção politica do Império do Brasil: a deposição do governo emanado de Lisboa e a imposição fática de um governo desentranhado da sociedade de sesmeiros e vaqueiros do Piauí. Jogo articulado à aderência formal do Piauí ao governo do Príncipe Regente, Pedro, do Reino do Brasil, aclamado Imperador na sub corte do Rio de Janeiro. 

Por que esse episódio – dado em 24 de janeiro de 1823 – é tão caro aos oeirenses? É justo que todos queiramos “nossa” gleba de nascença seja a expressão estética da vitória do justo contra exasperações danosas. Naquele contexto, o Piauí ao lado do Príncipe fora estratégico, inclusive para agregar parte do Maranhão à causa de Pedro I, imperador. Essa a razão de Oeiras fazer vibrar suas pedras em memória do fato.

Alçado ao governo do Piauí, em 2011, Wilson Martins, meu contemporâneo na política estudantil na Ufpi, convida-me, e a Dagoberto, de Carvalho, e de Oeiras, claro, e concita-nos ao apoio para a construção de um marco alusivo ao fato, com “devida grandeza”, na velha urbs. Várias reuniões, as primeiras, no escritório da residência oficial; outras, no Karnak. Reuniões agradáveis, algumas com assessores.

Propusemos os elementos do projeto: que não fosse um mero objeto-obelisco-estátua. Decidiu-se a construção de uma estrutura memorial-museal, viva, com vistas à ancoragem dos referenciais da memória do acontecimento do 24 de janeiro e da própria história da cidade-capital. Abrigo de grandes acervos. Que fosse lugar para diletantes turistas, curiosos, eventuais, mas lavra de pesquisadores e que tudo se articularia com a condição da Oeiras que se vê e é vista como “cidade histórica”.

Wilson logo perguntou: qual a altura da coluna no Jenipapo? 32 metros, disse-lhe. Pois “a de Oeiras terá 33!”. Lembrei-lhe que, de fato, fosse menos que isso, não realçaria, até porque a cidade é já premiada com a visão de sua Maria da Vitória, estatuada em pedra, no alto de formosa colina.

Passou-se às três licitações. E aos emperros. Quatro empresas. Por fim, inaugurado o Memorial do 24 de Janeiro. Incompleto: faltava a estátua do visconde Né de Sousa, em bronze, a cargo do grande escultor Clauberto Santos. Antes que chegasse, colocou-se no pedestal uma figuração dela, com material de menor resistência. Martins pediu fosse garantido um rosto mais “bonito” para seu avoengo. Santos o fez.

O obelisco? Reduziram a altura para dezoito metros. Por quê? Perguntei aos arquitetos. Por economia de recursos e “porque o construtor não tinha meio de fazer tão alto”. Minha sugestão fora que – uma pedra de memória –, se não feito, pelo menos revestido com exemplares da riqueza em pedraria que o Piauí tem, filões de mármore dos mais belos do Brasil. Que sua ponta fosse elaborada com a mais rara delas, o mármore verde... Assim não andou.

Agora, essa obra foi concluída e reinaugurada por decisão oportuna do atual governador, Wellington Dias, vinculando-a, inclusive, à Uespi. Cumpre parte da intenção original de ser lugar de visitação eventual inteligente e da prática de estudos persistentes sobre a Corte do Sertão, a Invicta, cujo paço é a flor de passo de seu eterno retornar.

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.
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