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No Piauí, epidemia e vacina falsa


Teresina

Teresina Foto: Ascom

No Piauí, epidemia e vacina falsa

Fonseca Neto 12/04/2020

 

Mais que curiosidade é um fato real: a hoje cidade de Teresina é filha do medo de catástrofes pandêmicas. Por quê? A mudança da sede do município do Poti para a Chapada do Corisco, na metade do Oitocentos, foi para afastar seus moradores de lagoas e baixios alagadiços. Charcos avazantados.

Mais arejado que a Amazônia, sua vizinha, o espaço natural que se transformou no Piauí, medianamente, dispõe da temperança ambiental que assegura suas gentes viverem sem maiores sobressaltos decorrentes de doenças tipo “febres palustres”, por exemplo. Não é à toa que nos séculos e milênios anteriores o “vale do rio Parnaíba” – assim chamado hoje – foi sempre muito bem habitado.

Uma exceção nessa habitabilidade mais favorecida é exatamente o ponto onde faz barra o Poti no rio Parnaíba, fator que, noutra possibilidade, ensejou a fundação de um assentamento humano colonial ainda no século XVIII: a futura sede da freguesia e vila do Poti, o bairro Poti Velho de hoje.

Antes de ser suscitada a mudança da sede provincial, já se encontrava em plena campanha a ideia de transferir a sede da paróquia do Amparo e do município para um espaço mais naturalmente benéfico, exatamente a referida Chapada. A decisão está tomada já em 1840.  Deve-se ao padre cearense Mamede de Lima, recém nomeado pároco, a liderança do movimento mudancista. Projeto consolidado à época de Saraiva.

Não são raras as notícias de calamidades decorrentes de estiagens e surtos epidêmicos nos relatórios de governo de todos os tempos. Fala-se da grande seca de 1777, repetida em 1877, com outras gravíssimas pelo meio.

Os moradores da velha Poti foram impelidos para a Chapada pelos febrões da insalubridade e logo na década seguinte à fundação de Teresina, esta já se achava às voltas com a febre amarela e surtando pelo cólera morbus (1862-65). Uma ironia: a vila nova do Poti, agora cidade de Teresina, escapara relativamente das sezões palustres e agora se contaminava pelos fluxos microbianos do mundão no entra e sai na/da nova Capital. O fator de propagação maior é também a grande novidade do “progresso” de então, o movimento de navegação pelo rio Parnaíba, afetando também com doenças as cidades-beiras, a exemplo de Amarante, e outras povoações ribeirinhas, grassando por elas os vales acima do grande interior, Regeneração, São João, São Raimundo, Campo Maior, Príncipe Imperial, Oeiras.

“Autoridades fazem a remessa de medicamentos [aos municípios] atingidos, autorizam que se contratem pessoas que possam prestar serviços assistenciais, que se obtenham casas para se acolher os doentes e se escolha lugares adequados para cemitérios...”. Notícia veiculada em Teresina em abril de 2020? Não, ofícios e relatórios do presidente da província à época, coligidos historiograficamente por Odilon Nunes.

Uma curiosidade desastrosa da “bexiga” dos 1860: a varíola se espalhou mortalmente pela aplicação da vacina que deveria preveni-la. “Vacina preparada sem a técnica devida, pois em vez de imunizar, contagiava... O vacinador de Parnaíba dá o alarma e também o Dr. Sérvio Ferreira, de Oeiras, foi o primeiro a denunciar a ocorrência” do grave erro, consoante tais documentos.

Uma década depois, veio o terror daquele que foi o maior desastre epidêmico de Teresina e do Piauí, a varíola, cujo registro aponta 500 mortos em 3 meses do beerreobró de 1875. Mais grave crise sanitária-pandêmica que Teresina enfrentou e no seu rastro a tragédia da seca de 1877, durante a qual foi ocupada por levas de famintos oriundos dos sertões gerais sobretudo do Ceará.

Nessa década calamitosa, Teresina era já um lugar insalubre menos por fatores naturais que pela sujeira produzida pela nascente vida urbana. Cidade infectada por dejetos que emporcalhavam as vias públicas, seus grotões ainda não galerializados. Uma das zonas mais promíscuas era o cais, junto ao qual funcionava o mercado público, além de no respectivo entorno está o porto de embarque e desembarque.

Isolamento social? Sim, dos doentes. Controle nas chegadas e saídas da cidade pelos diversos tipos de embarcação. No que diz respeito aos retirantes famintos da seca, o governo subvencionou fazendeiros para os abrigarem em suas terras de lavrar. Frei Serafim aproveitou muitos deles na construção da Igreja de São Benedito, pagando-os com esmolas e outros donativos.

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.
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