Proa & Prosa

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Nildomar por inteiro

Ele agora partiu, a cadeira 22 será compartilhada com outro/a assentante e a vida segue.

Fonseca Neto

Quarta, 01/09/2021 às 07:02



Foto: APL Desembargador Nildomar da Silveira Soares
Desembargador Nildomar da Silveira Soares

Ele acabara de brindar todos nós com um livro em que diz de uns “retalhos de memórias”...

Na Academia Piauiense de Letras, com assento na Cadeira 22, Nildomar da Silveira Soares marca o viver confradal com muita mansidão, falando pouco, mais escrevendo, e muito atento a tudo.

Ele agora partiu, a cadeira 22 será compartilhada com outro/a assentante e a vida segue. A Covid, que o Inominável chama de gripezinha, adoeceu o corpo do confrade e os pulmões interditaram a respiração dele. 

Soares nascera nesta gleba teresinense, no ano de 1937. Um conhecedor desta amena cidade como poucos, daquilo que diz respeito ao centro velho mesopotâmico, seu povo, a classe média em que foi criado e cujo modo de viver orientou sua trajetória. 

Ele estudou na cidade do Rio de Janeiro, quando ainda capital da República, depois formando-se ali em Direito, na Faculdade Nacional, experiência, de cidade e escola, que o marcou positivamente. Até há pouco participou dos jantares de sua turma, que minguava. 

Sabedor de seu tino bom para puxar recordação de coisas e pessoas, de sua própria vida – e da mundanidade –, vida laboral-profissional toda dedicada às funções inerentes da esfera pública, especializei-me em “pressionar”, e também o poeta Elmar Carvalho, para que ele deitasse falação escrita sobre tanta coisa interessante que compunha seu fardo memorial.

A lembrança dele é a do homem dedicado às reponsabilidades comuns do cidadão devotado. Pai-familia sabidamente exemplar. Mais que isso, razão de ser um destacado em sua cidade e no Piauí, deixou marcas de positividade por funções que exerceu, bancário-advogado do BB,  Desembargador do TJ-PI, presidente seccional da OAB, escritor de livros úteis. 

Em Retalhos de Memórias, recorda parentes e amigos, todos e cada um em sua/s circunstância/s. Sua “cidade da memória” derrama-se nesses “retalhos”, sem alarido ou sofreguidão. A teia parental encontra-se toda generosamente apontada ao logo do texto. 

Ele se orgulhava em dizer dos concursos em que foi aprovado: foram décadas no Banco do Brasil. 

Desde cedo integrou os quadros da OAB-PI, inclusive muitos anos conselheiro seccional e com funções diretoriais em vários períodos. E pelo Quinto dos advogados foi eleito para compor o Tribunal de Justiça, numa campanha muito concorrida, que ajudamos. Integrando a Lista Tríplice que saiu do TJ, foi respeitosamente nomeado por Wellington Dias – aliás, o governador-sindicalista-economiário, foi acusado por adversários, e preconceituosos antipetistas, de ter feito uma nomeação de “colegagem” bancária. Fato é que exerceu seu múnus desembargante, sem rasgos exibitórios, com certeza escrevendo boas peças.   

Chamava a atenção o quanto dizia ter sensação de que não teria vida mais longa.  Uma razão porque, como já disse, especializei-me na instigação a que escrevesse “memórias” e compartilhasse tanto de bom de seu viver satisfeito em oito décadas de vida.

Na APL “reservou” um lugar à cabeça do mesão de reuniões. Todos respeitavam. Dado, já, a um modo meio retraído no dia a dia, a chegada da Covid bateu muito forte em seu juízo. Quando começaram as sessões virtuais, ele se animou um pouco, mas, numa delas, disse que queria falar, estava meio desanimado, um tempinho só... Fez executar uma canção muito bela; declinou a autoria, grande sucesso do seu tempo carioca. Organizou o Livro do Centenário da APL.  

Era um romântico, o livro é uma ode a Maria Salete, seu amor. Companheira em tudo, inclusive na visitação a 54 países do orbe terrestre. “Se a Salete não gostasse eu não teria...”, disse-me certa vez. 

Disse que o livro de memórias já estava pronto, em abril passado, quando do fim inesperado de seu primo, Firmino Filho [“da Silveira Soares”] e que o reabriu para assinalar o fato. De igual modo agiu com outro grande seu amigo, que a Covid ceifou, naquela semana, Carlos Lobo; ambos se despediram ao telefone, Nildomar lendo para Lobo a página que lhe dedicara no livro. Lobo, trêmulo, emudeceu, anotou o amigo. 

Além das cordiais narrativas da memória, o livro tem muita fotografia. Valeu! 

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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