Linguajar midiático raso nutrido pela vaga pandêmica esse “novo normal”: insinua que estaria chegando uma vida nova, noutro plano, mais elevado.
Parece-me tola essa tirada a começar do fato de que se quer expressar uma mudança em bases de radicalidade na conduta humana. Por ora, radical é o C19, que ataca e derruba muito mais os já desigualados pela errância social.
Caso se examine a questão numa dimensão não sufocada pelo lugar comum posto pelo copioso noticiário sobre a pandemia, há situações ao redor da crise viral que não se deve menosprezar.
Ainda em dezembro do ano passado, Ronaldo Lemos, escrevendo no jornal Folha de São Paulo, a propósito de um livro do autor estadunidense Erik Davis, arregimentava esse jargão de “novo normal” para acentuar o que para ele é nuclear na dita obra: a tese de que “o estranho triunfou no mundo em que vivemos”. “Tudo que tomamos por normal, tal como instituições, referências culturais, identidades e a própria ideia de realidade, está sendo virado de ponta cabeça. A estranheza é o novo normal, e isso reconfigura tudo...”.
Diz o colunista, em sua breve resenha, que as fontes do livro comentado – “Higt Weirdness” / “Alta Estranheza” – são as obras recentes de três autores considerados “os pais do mundo que herdamos”, entre eles, Robert Anton Wilson, “pai das teorias da conspiração modernas, criador da trilogia dos Illuminati, cuja principal lição era a dúvida: nunca confiar cegamente nem na ciência e nunca desacreditar totalmente de teorias da conspiração, por mais estapafúrdias”. Afirma que dita trinca “barra pesada” constitui o fio condutor de “Alta Estranheza”, que, entre mais, investiga “a estranheza triunfante” vista em nossos dias, do que é exemplo “a eleição de Donald Trump e a emergência da chamada ‘alt-right’ que tem conexão direta com essas ideias”.
Por fim, o advogado Lemos confere a Davis – um “magna cum laude de Yale –, “doutor em estudos da religião que participou de circuitos tão diversos quanto as rodas de inovação tecnológica do Vale do Silício [aos] circuitos de contracultura que vão do discordianismo ao xamantismo”. Cita exemplos desse “triunfo do estranhamente”. Um deles, na “religião”, a “guinada bem-sucedida de igrejas neopentecostais que abandonaram a figura de Jesus por uma doutrina baseada numa releitura livre do judaísmo e do Antigo Testamento, beirando o esoterismo”. A figura de “gurus políticos”, tipo “astrólogos” influindo na atualidade – chama a atenção o colunista –, não deve ser vista como “detalhe sem importância”, porque há níveis de impacto real no que fazem.
Essa matéria a que me refiro – “O livro do ano d 2019 é estranho” –, publicada em 23 de dezembro passado, logo se nota, foi escrito antes do impacto da pandemia, em cujo noticiário, qual plasma, generaliza-se essa expressão antipática referindo a “novo normal”.
Ou esse “novo normal” é surto emergente de obscurantismo trazido pela direita, ainda mais expresso por sua vertente extrema, forjada num arcaísmo artificioso e encantada com a borra da chamada medievalidade, e até pré cristã, filha do ódio e inimiga do livre pensar?
Preferível buscar a História: desta forma, científica, tem-se propriamente a ciência, referida pelo autor, e o desmascaramento dos charlatanismos servindo a processos de tomada do Poder pela direita e a ideologia liberal conformando sua pratica, também em sua manifestação neo.
Neopentecostal, neoconspiração, neoliberal: tudo coisa muito conhecida e nada “estranhas” na história como signo da miséria, expressão da servidão, isto é, do escravismo – a exemplo do que ocorre no Brasil –, do sectarismo de toda cepa.
Cepa? Covid 19 cria “novo normal” coisa nenhuma. Isso é mais uma babaquice, preguiça de estudo para entender o que acontece. É o contrário, a ação covídica faz é expor um velho forçosamente normalizado: as vísceras sangrando do sistema social que articula em seu favor a mais vil dominação. De nações sobre nações, grupos sobre grupos, pessoas sobre pessoas, seus corações, suas mentes.
A nada estranha escravidão, p. ex., doença moral dos “donos” do Brasil, seu verdadeiro exercício de “fé”.
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