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Manoel de Barros censurado? Salve a poesia!


Manoel de Barros

Manoel de Barros Foto: Divulgação

Leio em noticioso não-empresarial-hereditário, sobre denúncia de que houve interferência do regime golpista no conteúdo da prova do Enem. Ressalta a censura a citações do poeta Manoel de Barros e tentativas de chamar de “revolução” o golpe militar de 64. 

A vida nacional está num despenhadeiro: a Inominável figura chegou a dizer que “o Enem agora tem a cara” do seu governo. Essa agressão ao Enem é muito grave, desmoraliza um mecanismo que se aperfeiçoava a cada experiência anual e crescia no acatamento social como algo sério.

As ditaduras quando viçam, empurram o processo civilizatório para as dobras infectas da estrutura social. Vivemos um momento desses, violentado sob diversos modos e diferentes formas. Avanços consideráveis alcançados em décadas – e até no último século – esfarinham-se pelo ataque obscurantista, antidemocrático, a mentira movendo a negação do racional e razoável. 

Mas quem é Manoel de Barros, este que agora tem a glória de ser censurado por uma ditadura rebrotante nazi-fasci, de extrema direita – além de neoliberal radical? Quem é esse poeta?  Que significa a intolerância ultraconservadora não suportar falas como estas que seguem, arrebatadas de várias de suas vibrações, quase pulsões...? Diz Manoel:

“A palavra poética vem, por antes, de um minadouro sensual. De um desejo de comunhão.  Nasce bem mais dos sentidos que da mente. É o ser primário em nós que precisa reter-se nela. [...]. A razão não está com nada em poesia. Lá onde tudo ainda não tem voz o mundo é erótico. A raiz da poesia é o desejo. ...”.

“Certas palavras estão doentes de mim. Minhas rupturas estão expostas. Quem pode responder pelas rupturas de um poeta senão a sua linguagem? Tenho que domar a matéria. O assunto não pode subir no poema como erva. Desprezo o real porque ele exclui a fantasia. O erotismo do chão se enraíza na boca. Aproveito do povo sintaxes tortas. ...”.

“... Penso que combinar o sentido com os sons é que produz o estilo. O barrismo há de acontecer nos meus textos porque vem de eu ser, de eu estar, de eu ter sido. Não há fugir. Estilo é estigma. É marca. Todo estilo contém as nossas ancestralidades. Ninguém consegue fugir do erro que é, do acerto que é. Vou ser sempre o que me falta. ...”. 

“Não oblitero moscas com palavras. Uma espécie de canto me ocasiona. Respeito as oralidades. Eu escrevo o rumor das palavras. ...”.  

Manoel de Barros disse: “em 1931, com 14 anos, um padre no Colégio São José me deu um livro de Antonio Vieira para ler. Só daí em diante eu gostei de ler. Mas não pelas histórias ou pregações do Vieira, mas pelas frases dele. Depois comecei a ler todos os poetas daqui e de outros lugares. Minha curiosidade intelectual nunca foi por histórias nem por indague sobre a vida e a morte - essas metafisicas. Eu gostava das frases, de preferência as insólitas”. 

E quanto “às funções da poesia... Creio que a principal é a de promover o arejamento das palavras, inventando para elas novos relacionamentos, para que os idiomas não morram a morte por fórmulas, por lugares comuns. Os governos mais sábios deveriam contratar os poetas para esse trabalho de restituir a virgindade a certas palavras ou expressões, que estão morrendo cariadas, corroídas pelo uso em clichês. Só os poetas podem salvar o idioma da esclerose”.

Grande Manoel: “Sou puxado por ventos e palavras”. “A sensatez me absurda”. “Uma folha me planeja”. “Minhocas arejam a terra; poetas, a linguagem”. “Eu sou o rascunho de um sonho”. 

Meus! como é que fascistas, milicianos, torturadores, figurantes da morte, vão apreciar uma lindeza de alma, dessas...? Fogem dessa inteligência desconcertante, covardes, tal vampiros, de alho, e da própria luz.    

Fonseca Neto, historiador, Cadeira 1, APL

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.
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