Proa & Prosa

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Luís da Conceição do Brasão

Bem diferente é o Maranhão do mar, das ínsulas e enseadas, de entrâncias e reentrâncias, golfos e golfões. De baixadas.

Fonseca Neto

Domingo - 31/01/2021 às 19:14



Foto: Divulgação Sigefredo Pacheco no Piauí
Sigefredo Pacheco no Piauí

Nesta e noutras folhas tenho escrito linhas em que recordo as relações que o Piauí tem com o a população do outro lado do rio Parnaíba: demograficamente, do Alto Parnaíba, no Chapadão das Mangabeiras, ao Delta, no Atlântico, o tecido humano dos dois lados se completa com as costuras parentais de cá e de lá. Uma mesma gente.

Bem diferente é o Maranhão do mar, das ínsulas e enseadas, de entrâncias e reentrâncias, golfos e golfões. De baixadas.  

Do ponto de vista da formação historicamente ocorrida, trata-se de evidência que vem de longe, da social-economia colonial-imperial, quando o sertão do gado das duas capitanias – Piauí e Maranhão – constituía uma unidade social-econômica. Aliás, no Império, quando fundada a cidade de Teresina para ser a capital do Piauí, seus idealizadores até falaram nisso, que fazendeiros e negociantes viriam para cá a fazer negócios, investir... 

Desde então, de Passagem Franca, por exemplo, município do grande arredor de Teresina e mais velho que a capital do Piauí, muitas pessoas, famílias inteiras, vêm para cá, inclusive o escriba destas linhas, há cinco décadas. 

Diego

De biografia, de autobiografia

Lançamento do livro de Fonseca Neto "A Pátina do Tempo"

Mas o propósito dessa necessária contextualização é realçar o exemplo de um piauiense que fez o caminho contrário, também há quase 50 anos. Isto é, um dileto piauiense que foi fazer a vida em Passagem Franca, Luís Mourão de Oliveira, nascido na Conceição do Brasão, então município de Campo Maior, em setembro de 1951, filho de Francisco Mourão de Oliveira e Raimunda Olímpia de Oliveira.  

Cedo Luís saiu da Conceição natal para buscar alternativas de viver, a favor dele uma disposição invejável para aprender e trabalhar: nada o embaraçava na seara do fazer prático da vida comum; um sábio entre os práticos. E também de coisas incomuns. 

Luís foi para o Maranhão, engajado na reconstrução duma estrada de rodagem – piçarra – de Buriti Bravo para Passagem – e nesta última estacou e se estabeleceu. Antes começou namoro com uma moça moradora de um sítio cortado pela nova estrada, e não custou, tratou casamento: Maria das Dores da Silva Oliveira, filha de um conhecido ali da beira do Inhumas, entre o Faveiral e o Novo Sítio: José Vieira da Silva (Zeca Francalino) e Maria Rodrigues da Silva. 

Naquela empresa construtora Luís aprendeu tudo, sobretudo a lidar com coisas de veículos e afins. Findas as obras da estrada e notando que na Passagem não tinha oficina mecânica – levavam quase tudo para Floriano – montou ele um pequeno negócio, começando com serviços mais simples de borracharia. Fixara-se à terra: logo tinha muitos e dedicados amigos, o negócio expandira. Nos últimos tempos, migrara para assistência em tecnologias de refrigeração. Aprendeu tudo. A Internet foi algo que veio ao encontro de seu talento. Vida comum que seguia.

Mas não é somente essa a conversa, agora. Enfim, com uma elite ociosa e predadora, o Brasil tem um povo trabalhador com vontade de colocar o país noutros trilhos.  

Luís se distinguiu por ser uma pessoa que cultivou um senso e sentido de amizade que poucos têm. Pessoa altamente positiva – ninguém ficava perto dele esmorecido ainda que diante da maior dificuldade... Adorava explicar, puxar conversa, resolver. E mais impressionante era o sincero contentamento que ele tinha em dizer sim às pessoas, como que a pedir amizade. Luís vendendo dificuldade para faturar facilidade? Isto sim, incomum, na sociedade brasileira enviesada pelo “jeitinho”.

Certa vez, revisitando a boa terra, num fusquinha novo, por danação, tentei passar um riacho cheio, a bordo duas amigas, Hortência e Bráulia. Não deu: motor inundou. Mas não apagou. Meninas totalmente molhadas foram direto rezar na Igreja – era o Dia do Padroeiro – e eu corri para a oficina do Luís, à pracinha da Maria Paé, contando na certa que logo “bateria” o motor. Luís assumiu minha causa.  Depois brincou: “agora vá pagar as promessas...”. 

Rimos muito, anos depois, quando contei a ele que quase morremos, dirigindo o dito fusca, comigo, o Luís Inácio Lula da Silva, num quase acidente, voltando de visita a Campo Maior, terra dele, Luís.

A doença que o Infame diz ser “gripezinha” silenciou meu dileto amigo no último dia 21. Luís: homens assim merecem ficar mais tempo nas estradas da vida. Mas sobrevivem-lhe no grande exemplo, sua mulher, Maria, os filhos Jeferson e Jamerson, o neto Enrico, para juntos, reverenciarmos a memória satisfeita desse filho da Conceição do Brasão.  

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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