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Fenelon na rua picoense do Alecrim

A passagem dele pelo Alto Itapecuru, no entanto, marcou em profundidade a sua alma, pelo drama de uma viuvez dolorosamente inesperada

Fonseca Neto

Domingo - 03/11/2019 às 08:19



Foto: Fenelon Castello Branco, co-fundador da APL, entre o mistério doloroso e a poesia de Vênus, esposou sucessivamente duas primas, Nicota e Linoca, e assim prolatando sentenças e poetando a vida.
Fenelon Castello Branco, co-fundador da APL, entre o mistério doloroso e a poesia de Vênus, esposou sucessivamente duas primas, Nicota e Linoca, e assim prolatando sentenças e poetando a vida.

Escritor que se fez notar em seu tempo, um dos fundadores da Academia Piauiense de Letras, em 1917, Fenelon Ferreira Castello Branco ganha uma valiosa biografia, em livro, escrito por seu ilustre parente Homero Ferreira Castelo Branco Neto.

Fenelon nasceu no município de Barras do Marathaoan, onde fez a escola básica, depois formando-se em Direito pela Faculdade de Recife.

De volta ao Piauí – algo então muito comum –, logo buscou o Maranhão para fazer carreira no serviço judiciário, a começar pelas promotorias públicas de Barreirinhas e Rosário, subindo após para o Alto Itapecuru, onde exerceu as funções de juiz em Picos, hoje Colinas, Mirador, Pastos Bons e Passagem Franca. Nessas comarcas médio-sertanejas e respectivos termos, inscreveu uma serventia em magistratura, que, dão conta as memórias e os documentos, honrou por demais. Por lá, viveu os anos que atravessam a contagem do século XIX para o XX.

A passagem dele pelo Alto Itapecuru, no entanto, marcou em profundidade a sua alma, pelo drama de uma viuvez dolorosamente inesperada. Em 1901 viera ao Piauí casar-se com a prima Ana Fortes Castelo Branco, Nicota, o que de fato ocorreu em 2 de fevereiro, deslocando-se o casal, após, de trem, até Caxias, e desta cidade, rio Itapecuru acima, até a comarca de sua serventia. 

Nicota e Fenelon viveram certamente no completo enlevo nupcial por três meses, entre afagos e sentenças, quando sobreveio uma espécie de nuvem engolidora de sonhos e raptou sua jovem mulher, no dia 9 de maio seguinte. Um homem letrado e apegado à racionalidade das leis positivas, Fenelon era, já, um homem de alma atravessada pela romântica espirituosa e totalmente afeito às insinuações de Vênus. A terrível notícia, acentuam seus biógrafos – inclusive o autor-parente que agora escreve –, sobre ele trazendo-lhe terrível depressão. Mas ele quebra o “mutismo” da angustia, sacando versos... Dribla o luto “pela escrita” e asperge versos pelas nervuras de terras, águas e terras daquele Itapecuru límpido de entre o Mirador e Picos.

“Partistes, anjo meu idolatrado. / As asas, a ruflar num voo saudoso, / deixaram-me a lembrança desse gozo, / da quadra venturosa de noivado. / Partiste...! E o peito meu, triste,  magoado, .... / Ela morreu! E, em mim, pra sempre, / existe uma tristeza indefinida e louca!”

Como se nota – lembra Homero Neto –, o episódio insondável impulsionou Fenelon “a produzir um objeto estético a partir do sofrimento [e] escrever tornou-se uma tensão entre dois registros a vida e a literatura”. 

Abeirando o Itapecuru numa tarde em Mirador, um amigo decidido a quebrar-lhe o estado de profunda dor e autodestruição, indagando-o sobre porque tantas lágrimas, o barrense exclamou, sôfrego – Nicota! E ferido com essa paixão desvanecida lançou ali mesmo um poemeto de amor e saudade: “Se fomos ditosos três meses apenas, / Se asas serenas tão cedo..., / Oh, anjo celeste, te lembra de mim, / E vem, mesmo assim, beijar-me em segredo”.

No dia em que completou um ano do silêncio de Nicota, Fenelon reuniu em livro, publicando, na cidade de Picos, 35 sonetos escritos para ela, com o título Ano de Luto, escrito na solidão do Mirador.  E lançou-se ao Piauí natal em busca do aconchego familiar, do colo da mãe que idolatrava, de seus lugares e pertencimentos. Encontrou a cunhada-prima Linoca – Lina Fortes Castello Branco e já com ela se casava, encerrando nas ditas páginas a lutuosa desrazão apaixonada por Nicota.

Foram muitos os bacharéis da elite familiar piauiense – como se um puxasse o outro – a exercerem a magistratura naquele sertão do centro-leste do Maranhão. Fenelon foi mais um entre eles. Exemplos? José Coriolano Lima, Henrique Couto, Antonio José da Costa. Maranhense nativo, mas legitimo filho de Teresina, Higino Cunha também servira a Picos. E acabamos de constatar que o barrense e juiz Fenelon provavelmente conheceu o Da Costa e Silva, em plena Picos do Maranhão, no ano de 1905. O ainda jovem poeta amarantino – aos 20 anos – visitou a cidade maranhense, a propósito de ali residir o seu cunhado e também notável Alarico Pacheco. Aliás, o pároco que por ali assistia era de Regeneração, o jovem padre José Gomes da Silva. Dois juízes picoenses são co-fundadores da Academia Piauiense de Letras.

Impactante a passagem de Castello Branco por lá. Em 1903 a Câmara Municipal picoense renomeou a antiga rua “Alecrim” para rua “Doutor Fenelon”, em consideração de ser ele um “íntegro juiz” a servir à primeira magistratura de sua Comarca. Consta que ele recebeu essa notícia estando em União, Piauí, e ficou muito lisonjeado. E já fora transferido para a comarca vizinha de Pastos Bons.   

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Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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