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América Latina: veias reabertas por golpes

Antes da cicatrização democrática as veias da América Latina se reabrem a golpes militares de Estado de toda espécie

Fonseca Neto

Quinta - 14/11/2019 às 07:01



Foto: Montagem Piauí Hoje Evo Morales e Lula
Evo Morales e Lula

América Latina: veias reabertas por golpes

Fonseca Neto 10/11/2019

Lula solto, Evo deposto: dois episódios, em chaves diversas de movimento e no bojo da mais recente onda de golpes de Estado na América Latina. Golpismo articulado em nível de cabeça neoliberal do Império, movendo-se, inclusive, por organizações enredadas no fascismo.    

Antes da cicatrização democrática as veias da América Latina se reabrem a golpes militares de Estado de toda espécie. Aliás, golpes militares nunca são somente militares. No campeão de golpes deste lado do Atlântico, a Bolívia acaba de voltar às mãos de milicos, com hegemonia direitista, repita-se, com dosagem de ativismo fascista.

Já o Brasil vive um golpe que inscreve suas ondas desde 2014, quando os perdedores das eleições presidenciais – a direita tradicional – não reconheceram a legitimidade do pleito e partiram para a tomada violenta do Poder.  O Paraguai derrubou Lugo num golpe congressual não faz tempo. Em Honduras, golpe.

Nos últimos anos, a direita ditatorial vem tentando dá golpes no sistema presidencial republicano da Venezuela e o boicote/embargo à República de Cuba incorre em crime continuado contra o direito dos ilhéus viverem sua experiência singular de democracia participativa.

Tudo isso indica que está se encerrando na América Latina uma espécie de tempo com a marca do intento democrático que se encaminhou desde a década dos 1980.  Tempo em que, na América Latina, intentou-se, com alguns êxitos, fazer durar a prática da democracia, cujo solapamento vem agora ajustado mais que nunca aos interesses do Sistema do Capital e projetos de restauração liberal- radical, neoliberal.

A soltura de Lula por decisão do órgão judiciário maior no Brasil, reconhece a ilegalidade de seu aprisionamento, sem, no entanto, reconhecer sua condição de preso político. Soltura movida preponderantemente por pressão de setores democráticos situados fora do Brasil, empenhados na denúncia do golpe desestabilizador operado a partir da recusa da direita em aceitar o resultado das urnas presidenciais em 2014. Internamente, afora vozes denunciadoras contundentes, mas isoladas, daí que relativamente inaudíveis, a rua “falta ao encontro” dos utopistas da esperança de alcançar no país a sociedade vivendo em justiça, portanto, em igualdade, legalidade, enfim, democracia real.

Evo, na Bolívia, acaba de ser deposto por uma mobilização criminosa, articulada de fora para dentro do país e claramente deixou o país, onde é o presidente legítimo, para não morrer assassinado, rompidas as estruturas do Direito e da Justiça. Campeã sul americana de golpes de Estado, dessa vez a Bolívia derruba um presidente identificado com projetos de interesses de índios, pobres em geral e, coerente, projeto que buscava a realização de seu processo com a ousadia da Independência nacional.

Mas há movimentos carregados de maior esperança num futuro com Liberdade, Democracia e Justiça justa. Há mobilização popular no Chile, no Equador, na Venezuela. Tímidas, mas algumas iniciativas aqui no Brasil, a exemplo do acampamento Lula Livre, jogaram papel indispensável na denúncia sistemática da ilegalidade do aprisionamento de Lula para que fosse afastado da última eleição presidencial.

A América Latina precisa engrossar seu protagonismo para romper historicamente com as amarras da perversão neocolonial.  Se os intentos democráticos são derrubados sem povo que de pronto os defenda, as vagas da tirania mais que se insinuarão, calarão nossa voz e apagarão nosso destino                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     Sombras trevosas se adensam sobre a América Latina – porque a do Norte trumpista politicamente vai se complicando. A noite da ditadura que os golpes sucessivos antecipam há de ser curta, o rugir das ruas dos lutadores sociais insones há de reverter a marcha da insensatez em curso.

A proximidade da reunião dos Brics no Brasil, ajudou no supremo simancol no quesito Lula. Assim também ser o Brasil motivo de chacota internacional pela prática sistemática de recusar viver como nação soberana. Tem jeito esse revés civilizatório? Tem, claro. Mas nada será dado ou virá de cima sem muita luta.

Mas não dizem que Independência nacional é coisa fora de moda? Isso é conversa esperta de quem não abre mão da sua. É preciso insistir em mobilizar o gigante criminosamente amansado e pilhado. Desmascarar os ícones infames que roubaram o domínio sobre ele, em danação.                                                                                                       

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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