Olhe Direito!

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Sobre a República

Domingo - 19/11/2017 às 12:11



Álvaro Fernando Mota

Advogado

Por toda semana fiquei a refletir sobre o papel da República na sociedade brasileira, que viu surgir este sistema político a partir de uma ruptura institucional sem povo, algo que os historiadores costumam classificar como golpe de Estado.

Então, nossa República poderia, por sua origem, ter surgido ilegítima e, assim, não ter produzido uma democracia realmente efetiva e capaz de transpor o tempo sem tantos sobressaltos? Ou talvez isso explique o fato de, mesmo exercitando na democracia representativa até aqui e vivendo sob a égide da soberania popular, o Brasil permaneça com suas instituições fragilizadas, em torno de Poderes que a Constituição define como autônomos, e que, aos trancos e barrancos, sobrevivem à instabilidade política do Executivo e do Congresso.

A República que temos foi antecedida por quase duas décadas de intensas conspirações, com reuniões clandestinas, o planejamento de golpe, o desejo pela mudança de regime. Enfim, em 15 de novembro de 1989, sem povo na rua ou com o povo olhando sem saber o que se passava, a República veio a lume pela força das baionetas, num golpe de Estado, gestado bem antes e que se buscava legitimar em movimentos como a luta antiescravagista ou que ainda se aproveitou da insatisfação dos senhores de escravos com a Lei que aboliu essa instituição.

O tempo se encarregou de fazer com que em 128 anos de República houvesse movimentos políticos e militares que alteraram sobremaneira a fisionomia do país – nem sempre para melhor, é bom que se esclareça. O fim da República Velha, com a Revolução de 1930 e o estabelecimento da ditadura Vargas, no chamado Estado Novo, são exemplos clássicos desses movimentos – que se seguiram em 1945, com a deposição do próprio Getúlio Vargas; em 1954, com o suicídio de Vargas, então um presidente constitucional; o golpe de 1964, seu fim com o movimento das Diretas Já (1984) e a eleição, no mesmo ano, ponto fim a 21 anos de ditadura militar.

Note-se, pois, que em 128 anos, a República mostrou-se capaz de reinventar-se em alterar muito o status quo dos que estão na parte mais alta da sociedade, ainda que haja inegáveis avanços sociais e econômicos, resultados também de maior participação popular no poder.

Nesse percurso de tempo, a República até vestiu-se com roupas mais modernas e deu-se verniz de atualidade, mas ainda está longe de fazer-se sentir no seio popular e de ser compreendida. A maioria dos brasileiros não tem uma noção mais exata do que vem a ser a República, que precisa ser definida com tintas mas contemporâneas, capazes de expressar melhor o sentido de uma forma de governo que respeita o interesse coletivo sem embargo de proteção a minorias ou ainda que dá garantias à propriedade privada sem perder de vista o interesse social da atividade econômica.

Podemos dizer, assim, que a República para ser algo mais concreto na vida das pessoas, nem precisa ser compreendida. O que se necessita mesmo é que haja a vivência da forma republicana de governar e isso se dá com o cumprimento da Constituição, a harmonia entre os poderes desta República, bem como o respeito às liberdades individuais, sem o que uma República democrática é apenas um nome escrito no papel.

O avanço da República como uma forma de governo democrática evidentemente que depende da consistente, ampla e permanente participação popular – seja pelo voto, seja pelo controle social que pode ser exercido diretamente ou por meio das próprias instituições republicanas, entre as quais organizações sociais como a Ordem dos Advogados do Brasil.

Saber o que seja a República, portanto, ganha importância na medida em que todos nós nos colocamos como agentes de cobrança do funcionamento cada vez melhor do Estado de direito. É isso ou balbúrdia, a ineficiência, a corrupção sistêmica e a tirania. Afinal, como propugnou Benjamin Constant, o escritor francês, se não colocamos limites aos representantes do povo, eles não serão defensores da liberdade, mas candidatos a tiranos.

Álvaro Fernando da Rocha Mota é advogado. Ex-Presidente da OAB. Presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.

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Álvaro Mota

É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.

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