Olhe Direito!

Olhar carnavalesco


*Por Álvaro Fernando Mota

Uma das mais conhecidas composições de Vinícius de Moraes (“A felicidade”), em parceria com Tom Jobim, tem uma estrofe que bem resume o que é o momento de explosão de alegria deste período:

“A felicidade do pobre parece

A grande ilusão do carnaval

A gente trabalha o ano inteiro

Por um momento de sonho

Pra fazer a fantasia

De rei ou de pirata ou jardineira

E tudo se acabar na quarta-feira”.

Possivelmente em nenhum país do mundo as pessoas se deixem contagiar de modo tão grande por uma alegria finita e sem propósito como o carnaval, mas evidentemente os tempos mudam, assim como se alteram as perspectivas sobre essa felicidade cantada por dois dos maiores compositores brasileiros.

O carnaval que temos hoje não é nem poderia ser como a festa em outros tempos. Muitos reclamam da má qualidade da música e há um temor pela violência que se espraiou pelo tecido urbano do país, como uma doença social de cura difícil.

A felicidade do pobre que parece a grande ilusão do carnaval não é somente um poema. A construção de um espaço de felicidade constante no país é uma possibilidade que se deve buscar para além de políticas públicas de curta e média duração.

Para que a nossa alegria não seja uma utopia – e aí não se falam de pobres somente, mas de todos os brasileiros – temos que enfrentar a realidade. Não dá para vivermos “por um momento de sonho”. O carnaval nos leva momentaneamente para as alegrias despreocupadas, ao esquecimento da dureza da realidade. Porém, se nos entregamos a um sonho frívolo, teremos que dele acordar na ressaca de que tudo se acaba na quarta-feira, para se começar uma realidade ainda mais difícil que antes das festas.

Não que se queiram desmanchar os prazeres do carnaval, festa pagã que antecipa o período cristão da quaresma, quando há sacrifício. No entanto, tomando por base a ideia de um período de contrição, é conveniente que o Brasil esteja disposto a começar a cortar na carne, a pensar e agir como uma nação que se entrega a rigores fiscais e austeridade para garantir que o futuro não seja um mar de tristeza e de tempestades maiores que as atualmente enfrentadas.

Ao fim e ao cabo da festa de carnaval deste ano, aliás, o Congresso Nacional tentará mais uma vez votar uma proposta de reforma da Previdência – bombardeada por muita gente mais interessada em evitar dar os anéis, porque não percebe que a ausência de mudanças poderá lhe custar os dedos.

Deixemos de fantasiar. Não há caminho para o Brasil sem que se alterem regras que oneram demais o Estado, que criam despesas crescentes para receitas que decaem ou se estabilizam em baixa.

Se a felicidade do pobre parece a grande ilusão do carnaval, menos felizes serão notadamente os brasileiros que vierem após a atual geração, pois é sobre eles que recairá o encargo de um sistema previdenciário que não se sustentará, exigindo cada vez mais recursos, sem que haja condições de ir ao público para pedir que o sacrifício se amplie.

Porém, antes que se façam reformas que por agora exigem maior aporte de recursos no sistema previdenciário, para lhe permitir uma sobrevida, cabe lembrar que a austeridade deve se fazer acompanhar da probidade e da transparência. Sim, para que o Brasil, antes cantado em “A felicidade”, com a ideia simples de uma alegria contagiante, não venha a se converter em um gigantesco “Sanatório geral”, a canção de Chico Buarque, que nos ensina:

“Dormia a nossa pátria mãe tão distraída

Sem perceber que era subtraída

Em tenebrosas transações.”

Álvaro Fernando da Rocha Mota é advogado. Procurador do Estado. Ex-Presidente da OAB. Presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.

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Álvaro Mota

É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.
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