Olhe Direito!

Como matar uma boa ideia


Exterminar com uma boa ideia é algo realmente simples. Basta que a executemos de modo errado. Isso ocorre com mais frequência do que podemos supor, muitas vezes sem dolo, mas quase sempre com a intenção de se fazer isso.

Boas ideias assentadas em lei, por exemplo, vivem sendo alvo de ações, deliberadas ou não, com o fito de se sufocá-las, até o ponto em que estejam mortas ou fadadas ao esquecimento ou ainda inviabilizadas por sucessivos e constantes ataques, de tal modo que não sobrevivam, ou seja, tornadas letra morta.

Uma dessas boas ideias é uma espécie de sistema de cotas para mulheres: 30% das candidaturas nos partidos e alianças partidárias devem ser preenchidas obrigatoriamente mulheres, que têm também o mesmo percentual de recursos do financiamento público de campanha.

O que está acontecendo já de há muito tempo é que as legendas partidárias cumprem a formalidade de ter candidaturas femininas – o que aparentemente satisfaz a exigência legal, ou seja, lançam-se candidatas com pouca ou nenhuma densidade eleitoral somente para se cumprir o que diz a lei.

Isso é ruim porque concorre para se erodir a boa ideia de ampliar a participação feminina na política, ampliando-se a presença das mulheres nos espaços de poder político, trazendo à baila o trabalho e as ideias delas para um espaço de poder que sempre foi predominantemente masculino.

Porém, como o que é ruim pode sempre ser piorado, nas eleições de 2018 se registra uma condição ainda mais propícia à erosão da ideia legalmente formulada de se ter mais mulheres nas casas legislativas: a determinação de se ter 30% dos recursos do fundo eleitoral para candidatas está produzindo escândalos em série no país todo.

Há evidências bastante amplas do uso de candidatas laranja para o uso inadequado desses recursos, o que pode configurar desde crime eleitoral até desvio de recursos públicos e outros crimes. Um problema grave que anima os que postulam eventual fim da exigência legal de 30% de candidatas mulheres às casas legislativas, bem assim igual percentual dos recursos públicos que financiam as eleições.

Ora, a lei for formulada dentro de um espírito que aponta para uma busca de equidade, o que é positivo demais para o país. O mau uso do que determina o diploma legal nada tem a ver com a natureza democrática do que ele propugna, de modo que se é para depurar algo, que sejam práticas nefastas contrárias à lei, não a lei em si.

* Álvaro Fernando da Rocha Mota é advogado. Procurador do Estado. Ex-Presidente da OAB-PI. Mestre em Direito pela UFPE. Presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.

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Álvaro Mota

É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.
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