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Bolsonaro e a pandemia: qual dos dois é nosso maior problema?

Todos os desmandos que o Brasil tem suportado desde primeiro de janeiro de 2019 foram claramente anunciados durante a campanha

Dárcio Rufino de Holanda

Segunda - 20/04/2020 às 09:39



Foto: Divulgação Dárcio Rufino de Holanda
Dárcio Rufino de Holanda

Bolsonaro e a pandemia: qual dos dois é nosso maior problema? Há uma frase inútil, rancorosa e nada propositiva, mas absolutamente irresistível em tempos de panelaços contra o rebotalho que ocupa a cadeira de Presidente da República do Brasil: Não foi falta de aviso! É algo que dá vontade de lançar toda hora às fuças de quem brincou com coisa séria, especialmente essa malta de paneleiros da classe média e seu inacreditável cinismo. Nada, absolutamente nada do que fez Jair Bolsonaro depois de se tornar presidente da República devia surpreender a quem quer que seja. Ele nunca escondeu quem era. 

Trata-se de um canalha em estado puro, um irresponsável sem qualquer condição de dimensionar a importância do cargo que ocupa, acometido de uma sociopatia crônica que o torna incapaz de qualquer empatia, de um naco sequer de alteridade. E foi também com base nesses elevados princípios éticos e morais que educou os três filhos, os zeros (01, 02 e 03), enfiando-os na política, para defenderem a barbárie, o obscurantismo e todo tipo de preconceito, além de dar emprego e prestar homenagens a figuras de proa das milícias cariocas. 

Todos os desmandos que o Brasil tem suportado desde primeiro de janeiro de 2019 foram claramente anunciados durante a campanha e, mais que isso, durante toda a vida pública de Bolsonaro, dedicada integralmente à mediocridade e à defesa do que há de mais sórdido na condição humana, a exemplo da tortura, crime de lesa-humanidade que teve a ousadia de defender em pleno parlamento brasileiro, quando da votação do impeachment de Dilma Roussef na Câmara dos Deputados, em abril de 2016. Aquilo ter acontecido impunemente em um País mal saído de uma ditadura sanguinária era um anúncio pavoroso, resumido na aposta de um delinquente perigoso na debilidade de nossas instituições, cronicamente deficitárias de democracia e republicanismo, incapazes de fazer cumprir, de modo igual para todos, as leis e a Constituição da República. Ele estava certo na aposta, abjetamente certo. 

Portanto, senhoras e senhores paneleiros – todas e todos certamente muito bem representados pelos governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, fingindo sentirem repulsa do molambo depois de servirem-se convenientemente dele para alçarem-se aos cargos em que atualmente se aboletam -, não me venham com esse papo de que estão surpresos com o escândalo, a vergonha retumbante desse governo de imbecis. O que diabos vocês esperavam de um governo que tem como principal conselheiro um lunático morador da Virgínia, nos EUA, que bota e tira Ministro de Estado no Brasil como quem troca de camisa? Um governo liderado por um vassalo desqualificado dos Estados Unidos, que chegou mesmo a violar o dever de curvar-se apenas ante as insígnias da República Federativa do Brasil, ao prestar continência à bandeira de outro País, além de, a todo momento, dobrar a cerviz ao presidente norte-americano, feito um adolescente encantado com as mentiras contadas nos filmes de guerra de Hollywood, numa postura abobalhada e subserviente a humilhar a nação brasileira a todo instante.

 Qualquer pessoa com a capacidade de realizar sinapses entre uma meia-dúzia de neurônios de que eventualmente disponha não irá acreditar no arrependimento sincero de gente como Janaína Pascoal e Alexandre Frota. Não estão arrependidos coisíssima nenhuma, apenas não querem assumir o ônus da tragédia social para onde Bolsonaro arrasta o País. É a mesma razão pela qual um número considerável de parlamentares eleitos pelo laranjal do PSL também se afastou de Bolsonaro. Nisso, são até mais indignos do que a corja que ainda continua fiel ao presidente, e não há metáfora melhor para explicá-los que a dos ratos a saltarem do navio antes do naufrágio. Essa gente tem hoje sua utilidade, reconheço, ao ajudarem, do auge de seu descarado oportunismo, a desidratar o bolsonarismo, mas por mera circunstância política, e não por qualquer sentimento de respeito pela democracia ou mesmo pelos direitos mais elementares de qualquer ser humano. 

Bolsonaro é, afinal de contas, o símbolo maior da estupidez e insensibilidade de nossa elite xucra, escravocrata e pusilânime, para quem a defesa dos próprios interesses autoriza a violação das regras democráticas inscritas com sangue no pacto constitucional de 1988. É o índice da vergonha, o termômetro da bestialidade, da baixeza capaz de suportar a humilhação cotidiana de ter como ocupante do cargo mais importante da nação não um idiota apenas, mas um que é também um completo calhorda, um mentiroso incorrigível, defensor de toda sorte de crimes bárbaros, um tipo amoral e repulsivo que nos constrange até mesmo a constatação de pertencermos à mesma espécie, razão porque temos hoje de aturar até o riso de galhofa das hienas espalhadas por todo o globo. E quando pensamos ter atingido o fundo do poço, eis que o mundo é assombrado pela pandemia do novo coronavírus. 

E o idiota que usurpou a cadeira do Palácio do Planalto fugindo dos debates e espalhando notícias falsas não perde a oportunidade de chocar o planeta. Enquanto todos os líderes mundiais adotavam medidas severas de contenção da disseminação do vírus, com seu assombroso poder de contágio, Bolsonaro se referia à Covid-19, doença causada pelo vírus, como “gripezinha”, chamando de “histeria” a preocupação do mundo com uma catástrofe humanitária, ainda não descartada, mesmo com todas as medidas adotadas até agora, especialmente no sentido de limitar drasticamente a circulação de pessoas. Ultrapassou qualquer limite ao declarar guerra aos Governadores dos Estados que, percebendo o País completamente acéfalo ante a emergência de saúde internacional, resolveram adotar as medidas a cujo respeito o Poder Central não se decidia, numa evidente e constrangedora disputa entre o presidente (com minúscula mesmo, em homenagem a ocupante do cargo) e seu Ministro da Saúde. 

É simplesmente inacreditável o que vimos nos últimos dias, especialmente o pronunciamento do dia 24.03.2020, que entra para a história como um dos mais irresponsáveis e desconectados da realidade já feito por um chefe de estado. Juntando todas as cretinices das últimas semanas, Bolsonaro cometeu, inclusive, vários crimes previstos no Código Penal (arts. 132, 268 e 286, por exemplo), além de abusar dos crimes de responsabilidade, previstos na Lei nº 1.079/50, ao desconsiderar o diagnóstico unânime da comunidade científica internacional quanto à extrema gravidade do problema enfrentado, desautorizando as medidas de isolamento social e incentivando as pessoas a seguirem o fluxo normal de suas vidas, pondo em risco a vida de milhares de brasileiras e brasileiros. Isso é canalhice em estado puro, não há outro adjetivo. Há quem diga que Bolsonaro não seria tão idiota assim, que suas ações fazem parte de uma estratégia agressiva, sem qualquer limite ético, arquitetada por conhecidos sociopatas da ultradireita internacional, especialmente Steve Bennon. 

Que há dinheiro da direita fascista internacional nas mãos sujas dos golpistas de 2016 parece não restar mais qualquer dúvida séria, bastando lembrar dos cursinhos e convescotes que a turma da Lava Jato vivia a fazer nos Estados Unidos, coisa que alçou Sérgio Moro, um juiz comprovadamente corrupto, à condição de Ministro da Justiça do governo mais desqualificado que o Brasil já teve. Também aponta para essa conclusão a absoluta falta de pudor do Ministro da Economia, Paulo Guedes, em tocar sua radical agenda de reformas neoliberais, sua cruzada implacável contra o Estado de Bem-Estar Social, a ponto de chantagear o País em meio ao desespero da pandemia, tentando condicionar a liberação de recursos para o enfrentamento da crise à aprovação de medidas tendentes a solapar o Estado, cujo patrimônio construído durante décadas pelo povo brasileiro está em avançado estado de desmonte. 

De qualquer modo, os lamentáveis e vergonhosos episódios protagonizados pelo presidente nos últimos dias o desgastaram bastante até mesmo em seu gueto agressivo de apoio. Visivelmente bambeia no cargo, mas não há a sensação de que cairá, nem tampouco de que a oposição se esforçará nesse sentido. É o caso de se perguntar, então: o que dá sustentação a Bolsonaro? A resposta é outra vergonha nacional: as Forças Armadas, especialmente o Exército, cujos integrantes ocupam hoje inúmeros cargos no primeiro escalão do “poder civil” da República. Há um cuidado excessivo de todos quantos resolvem falar desse ninho de vespas. Não é incomum ver lideranças democráticas e progressistas pisando em ovos ao analisarem o papel das Forças Armadas na sustentação da vergonha absoluta que é o atual governo. Embora não possamos realmente afirmar que há um pensamento único no âmbito das três armas, a verdade é que especialmente o Exército tem cumprido uma triste figura, e isso vem de longe.

 Desde os ensaios para o golpe que nos lançou nessa crise que só piora, algumas vozes do Exército têm se comportado como uma facção política conservadora, tomando partido, sem qualquer pudor, na disputa ideológica legítima das organizações do poder civil, mas profundamente disfuncional quando feito, por outro lado, pelas Forças Armadas. Caso haja, no Exército, Marinha ou Aeronáutica, discordância quanto a essa postura vergonhosa, tem mantido um silêncio covarde. De ameaças veladas ao Supremo Tribunal Federal feitas por quem comandava o Exército em 2018, quando do julgamento de um dos pedidos de liberdade de Lula, à comemoração do aniversário da ditadura militar de 64, feita recentemente pelo Ministro da Defesa, o General Fernando de Azevedo e Silva, tudo revela que nossas armas – pelo menos quem tem falado, e muito, em nome delas - não respeitam o poder civil, comportando-se de maneira partidária, esquecendo completamente seu dever constitucional de silêncio e recato até que o poder civil as convoque, nos termos do art. 142 da Constituição Federal de 1988.

 Elegem como inimigo o próprio povo brasileiro, feito um exército de ocupação. Não há democracia efetiva onde o abuso do monopólio da violência é um fiel de balança, onde o poder civil é chantageado pelas armas, o que tem sido uma ferida aberta desde sempre na América Latina, com seus ridículos tiranos de casacos estrelados opinando sobre política na arena pública, quando nada mais deveriam ser senão servos obedientes do poder civil. 

Aqui tem ocorrido exatamente o contrário: o poder civil é que tem sido tutelado pela caserna, coisa que apenas acrescenta mais desonra à história de injustiças e covardias das armas dessa nação infeliz. Estão aí para provar Palmares, Canudos, Contestado, o massacre de nossos irmãos paraguaios sob as ordens da Europa... Mas o que esperar de um Exército no seio do qual a patetice histriônica e subserviente de um Augusto Heleno chegou à patente de general? Em que um tipo desqualificado e amoral como Bolsonaro atingiu o posto de capitão? Seria de todo conveniente aos interesses da maioria do povo do País que esses falastrões parassem com essa bravura de fancaria, com essa patriotada ridícula que fala grosso com nosso povo pobre e seus mais legítimos representantes, ao mesmo tempo que se põe de joelhos ante um autocrata arrogante e insensível feito Donald Trump.

 É muito triste a sensação de que um acordo entre lideranças dos mais diversos espectros políticos não pode ainda ser amadurecido para remover Bolsonaro do cargo, mesmo com todos os crimes e mentiras já praticadas por ele, pelo fato de que as Forças Armadas lhe dão sustentação. Sendo esse o caso, assumirão também a responsabilidade pela catástrofe humanitária para a qual o País caminha? Não, tristeza não é um adjetivo adequado. Definitivamente, é de absoluta vergonha, de extrema humilhação que se trata! 

*Dárcio Rufino de Holanda Defensor Público do Estado do Piauí 

Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – Núcleo do Piauí – ABJD-PI

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