Proa & Prosa

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Jô - José Eugênio Soares

Mas não é verdade que – em casos crus – “é melhor rir que chorar”? É verdade, na circunstância do viver comum, cotidiano.

Segunda - 15/08/2022 às 14:42



Foto: Divulgação Jô Soares
Jô Soares

José Eugênio Soares acaba de partir. Um anjo da inteligência e arauto da beleza risonha. E faz sua partida do palco deste mundo, deixando para trás o país de origem, em destroços, ação mais que pensada de verdugos insaciáveis de ódio, de dor e de morte.

Acreditássemos em maldição como predestinamento e punição dos deuses, diríamos que a ida de José neste momento significa um severo castigo ao povo brasileiro, por se deixar governar por uma pérfida conjugação de pessoas que amam o que estudiosos denominam de fascismo.

Como não acredito em Deus julgador, e acredito que o desamor não vem de Deus nenhum, tento me liberar dessa ideia punitiva, ao mesmo tempo examinando quem são os verdadeiros – nada imaginários – demônios e sacripantas que infernizam a vida social.

Eugênio, muito cedo em sua vida, deu-se conta que poderia manifestar sua inteligência – esta, sim, realmente divina –, encantando as pessoas, do restrito e do grande circo e palco do mundo, com a pedagogia genial do riso e assim despertar, alguns, de alienações.

Mas, para radicalizar esta conversa, deve-se logo perguntar: na realidade brasileira, o fazer rir de Soares não seria mais um deleite da casta que adora promover o “circo” enquanto sonega o “pão” aos circunstantes? Que significa 80 ou mais por cento de analfabetizados políticos nunca terem entendido nada do que ele disse e piadou?  

Sim. O povo rir das próprias misérias, eis um quesito que se deve examinar com cuidado, pois pode mais servir à despotencialização e abrandamento do fogo necessário à forja da indignação que leve à luta pelo fim de tais misérias.

Quanto à maioria mais que absoluta que nunca entendeu quase nada do que ele disse, nela se pode identificar aquele déficit, entre os mais brutais da formação social brasileira, que Darcy Ribeiro apontou quando disse que “o Brasil tem uma gente excelente para se tornar um povo”.

Em que pese ter quem diga que entender o Brasil “não é tarefa para iniciantes”, veja-se Darcy, e há outros e ótimos Darcys, e não mais se diga essa espécie de bordão alienante, que exemplifica o já referido jeito de “rir das próprias misérias”.

Mas não é verdade que – em casos crus – “é melhor rir que chorar”? É verdade, na circunstância do viver comum, cotidiano. Mas entre rir e chorar o desejável é manter engatada a busca do direito e a realização do dever de lutar para que não haja o motivo que faz chorar.

O jeitão do mundo chamado “moderno” – cacoete esnobe que exprime a força do capital alienante –, sequestrou o direito ao riso por parte dos despojados da fortuna, também roubados culturais. Desde então, o lazer desses roubados sociais, haveria de ser a alienação risonha do ladrão de seu direito.

Essas observações se fazem necessárias nesta hora da partida do artista genial, para ajudar numa construção mais respeitosa e não apenas encomiástica do grande e verdadeiro homem público que nos deixa.  

Homem público, o engraçado Jô, e bem encarnou essa condição. A lembrança luminosa do homo circus não haverá de encobrir, nos inventários da memória social brasileira, o luminar intelectual que foi. E nesse sentido, um brasileiro cujo legado é mais relevante que o dos –   descuidadamente – chamados “homens públicos”, na acepção de “políticos”.

Brilhante intelectual, sim. Fez bem a Paulista de Letras incluí-lo entre seus grandes.

Homens como Jô, Chico Anísio, Chaplin, Barão de Itararé, Millôr, ..., fazem muito bem à humanidade. Já os seres das sombras, os fascistas e os produtores da miséria social e da morte, seus lugares são os campos de concentração e tortura – tão comuns no Brasil.

Turvos tempos estes: bolsos encharcados de sangue; morosos crimes brancos; fardas centroas ignotas resfolegando no esgoto. O reinado da brasilícia, diria Itararé.   

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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