Tudo o que você sempre quis saber sobre o "mito", mas temia perguntar

Congresso em foco faz uma retrospectiva sobre a vida de Bolsonaro


Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ele desperta os sentimentos mais contraditórios. Aos olhos de seus seguidores, é o salvador da pátria, o mito, o único homem capaz de pôr ordem no país. Seus críticos, porém, o veem como um perigo para o Brasil e sua incipiente democracia. Depois de quase 30 anos na Câmara, Jair Bolsonaro (PSC-RJ) deixou de ser um personagem folclórico parar virar um fenômeno a ser levado a sério. Desde março, o capitão reformado do Exército aparece na segunda colocação nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência.

Vendendo-se como um homem acima de qualquer suspeita, ele apresenta produção legislativa pífia em três décadas de Câmara, onde nunca ocupou cargo de destaque, sempre integrou o chamado baixo clero e é mais conhecido pelas confusões em que se mete do que por sua atuação parlamentar. Visto como novidade, ele projeta entre os seus fãs uma imagem de herói em tudo diferente do que ele foi como político até agora. O Congresso em Foco reproduz nesta quinta-feira (14) o perfil de 11 páginas de Bolsonaro que estampou a capa da 26ª edição da Revista Congresso em Foco.

Desiludido com a política tradicional, o Brasil assiste à ascensão de um personagem que desperta sentimentos contraditórios, mas é tratado como “mito” por seus admiradores. Mito, segundo os dicionários, é uma ficção, um ser sobrenatural, um herói, uma figura cuja existência não pode ser comprovada e domina o imaginário coletivo. O “mito” Jair Messias Bolsonaro, 62 anos, tem como marcas as posições extremadas, a postura de enfrentamento constante e os discursos agressivos, em que reivindica ser o defensor e restaurador da ordem perdida.

Capitão reformado do Exército, vende-se como homem acima de qualquer suspeita. Mas suas três décadas de trajetória política são bem menos épicas do que supõem muitos dos seus seguidores. Já usou verba da Câmara para custear despesas durante viagens em que teve atividades de pré-candidato a presidente. Tornou-se objeto de atenção pública, pela primeira vez, acusado de planejar a explosão de bombas em instalações militares.

Sua produção legislativa é pífia. Nunca ocupou cargo de destaque na Câmara. Sempre integrou o chamado baixo claro, grupo de congressistas com pouca projeção, e é mais conhecido pelas confusões em que se mete do que por sua atuação parlamentar.Um dos seus trunfos é que jamais foi envolvido em qualquer caso de corrupção.

Mas foi alvo de várias acusações criminais. No portal do Supremo, aparece como réu em duas ações penais, nas quais é acusado de injúria e apologia do estupro por ter afirmado, na Câmara, que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela “não merece”. Em 2015, foi condenado pela Justiça a indenizar a parlamentar em R$ 10 mil pela mesma razão e também a indenizar em R$ 150 mil o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos do Ministério da Justiça, por fazer declarações homofóbicas num programa de TV. A decisão foi confirmada este ano pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

É ainda investigado pelo Ministério Público por apologia da tortura, por ter homenageado o coronel Brilhante Ustra, primeiro torturador reconhecido como tal pelo Judiciário brasileiro, ao votar pelo impeachment de Dilma, em abril de 2016. Para entender o fenômeno Bolsonaro, a Revista Congresso em Foco ouviu, ao longo de cinco semanas, mais de duas dezenas de pessoas. Só não conseguiu entrevistar o próprio deputado, que marcou entrevista algumas vezes, mas terminou adiando de última hora.

Deputados Sóstenes Cavalcante, Jair Bolsonaro e Laerte Bessa no Plenário da Câmara durante discussão do projeto que torna crime hediondo o porte de arma de uso restrito  Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Incógnita ambulante

Embora atue como parlamentar há quase 30 anos, Bolsonaro é um grande desconhecido para diversos setores da economia e da sociedade. O deputado – que chegou a declarar que, se fosse eleito presidente, entregaria metade do ministério aos militares – é uma incógnita ambulante. A habilidade dele para criar conflitos é tão grande quanto a desconfiança sobre sua capacidade de governar o país.

Sempre que é instigado a falar de assuntos mais complexos, como economia, esquiva-se e volta a sua artilharia verbal aos inimigos de sempre: negros, mulheres, gays, “bandidos”, adolescentes, sem-terra, entre outros. A virulência das declarações do deputado é objeto de repulsa e, ao mesmo tempo, de admiração, conforme o público que as recebe. Cada vez mais popular, surfa na onda de decepção com políticos e partidos tradicionais, como o PT e o PSDB.

De acordo com o Datafolha, desde abril, quando alcançou pela primeira vez 15% das intenções de voto para presidente, está atrás apenas do ex-presidente Lula, à frente de figuras como Marina Silva (Rede), Aécio Neves (PSDB), Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT). No último levantamento divulgado pelo instituto, no começo de dezembro, ele alcançava até 19% das intenções.

Três décadas, uma lei

Bolsonaro promete “endireitar” o país, mas tem dificuldade para demonstrar eficiência. Na Câmara desde 1990, teve apenas um projeto de sua autoria convertido em lei (a de n° 10.176, de 2001). A proposta, apresentada por ele em 1996, prorrogou benefícios fiscais para o setor de informática e automação.

Em quase três décadas como deputado, nunca relatou proposições de destaque nem presidiu comissões ou liderou bancada. Na área da segurança pública, sua principal bandeira, não emplacou qualquer sugestão. O deputado já passou por quatro partidos e, atualmente, procura o quinto para sua candidatura presidencial. Seus dias no PSC estão contados desde que brigou com a direção nacional da legenda, que considera suas posições radicais demais, mesmo para um partido com base no eleitorado evangélico conservador.

Ainda que conhecido de início como um sindicalista do baixo oficialato, Bolsonaro diminuiu a atenção que dispensava ao assunto à medida em que percebeu que seu discurso atraia um público mais amplo. Mais recentemente propôs também incluir o nome de Enéas Ferreira Carneiro, ex-deputado e fundador do extinto Partido da Reedificação da Ordem Nacional (Prona) no Livro dos Heróis da Pátria, ou que os civis tenham de colocar a mão sobre o peito quando da execução do hino nacional.

Seu projeto de castração química de estupradores, duramente criticado por feministas, movimentos sociais e cientistas, apresentado em 2013, está parado aguardando parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).

Para a mídia ver

Com uma legião crescente de seguidores nas redes sociais, uma de suas maiores âncoras, e sempre recepcionado em aeroportos com gritos de “mito”, Jair Bolsonaro tem trânsito limitado na Câmara, onde está desde 1991. Pode ser encontrado às gargalhadas com deputados das bancadas evangélica e da bala (formada por defensores do armamento da população, como ele), mas não exerce liderança sobre elas. No Congresso, costuma circular com o filho Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) a tiracolo.

É parado para selfies com jovens, parabenizado por eleitores, chamado por visitantes para comentar alguns assuntos. Mas não empolga os colegas de Parlamento. “Não é um parlamentar efetivo, é midiático. Tem visibilidade pelo seu caráter autoritário, mas é um parlamentar ineficaz, sem peso nas decisões importantes”, afirma o diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) Antônio Augusto de Queiroz.

Bolsonaro nunca figurou entre “os cabeças do Congresso Nacional”, selecionados anualmente pelo Diap há mais de duas décadas por sua elevada influência. Entre os atributos que caracterizam um protagonista, a entidade lista “a capacidade de conduzir debates, negociações, votações, articulações e formulações”.

O deputado também nunca constou da lista dos parlamentares que receberam o Prêmio Congresso em Foco, definidos por votação do público na internet. Nas primeiras das nove edições realizadas, não foi lembrado pelos jornalistas que cobrem o Congresso, encarregados de pré-selecionar os congressistas submetidos na fase seguinte à votação popular. Nos últimos anos, foi barrado na disputa, junto com centenas de colegas, por responder a acusação criminal no Supremo Tribunal Federal (STF).

O sobrenome do pai ajudou o filho Eduardo a ser o deputado mais votado na consulta popular do Prêmio Congresso em Foco 2017. Em 2015 ele ficou na terceira colocação. Naquele ano militância não perdoou, porém, o fato de ele ter sido superado na votação digital por Jean Wyllys (Psol-RJ), notório defensor das causas LGBT, e inundou as redes sociais com comentários homofóbicos e acusações de manipulação do certame. O baixo prestígio de Jair Bolsonaro entre os parlamentares ficou flagrante em fevereiro de 2017. Candidato a presidente da Câmara, teve votos de só quatro dos 513 deputados.

Punições por má conduta

O deputado é recordista em representações no Conselho de Ética. Com quatro processos, ele é o único que alcançou esse número desde que o conselho foi instalado, em 2001. O filho Eduardo Bolsonaro, em seu primeiro mandato, foi alvo de outros dois. A lista de acusações contra o pré-candidato à Presidência também é extensa na Corregedoria da Câmara, outra instância que apura a conduta dos parlamentares.

O deputado fluminense já foi denunciado, entre outras coisas, por chamar Lula de “homossexual” e Dilma Rousseff de “especialista em assalto e furto”. Já recebeu seis punições por causa de pronunciamentos agressivos e entrevistas polêmicas. Foram três censuras verbais e duas por escrito. Em todos os casos, escapou da abertura de processo de cassação do mandato.

Em 2000, chegou a dizer que o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) deveria ter sido fuzilado durante a ditadura. Bolsonaro é conhecido por moldar discurso e ações ao gosto da plateia que o aplaude. “Católico fervoroso”, como se definiu, foi batizado no rio Jordão, em Israel, pelo pastor da Assembleia de Deus Everaldo Pereira, presidente do PSC e candidato à Presidência em 2014.

Dono de um discurso radical contra o PT, já admitiu ter votado em Lula para presidente em 2002. Quando ainda era filiado ao PP, manifestou intenção de ser candidato a vice de Aécio Neves (PSDB) em 2014. Às vésperas do segundo turno, foi esnobado pelo tucano, que não o convidou para tirar fotos nem participar de uma carreata em Copacabana.

Naquele ano o deputado se reelegeu com a maior votação da bancada do Rio de Janeiro, com 464 mil votos.Embora abomine hoje qualquer referência ao comunismo, já fez lobby junto ao ex-presidente Lula, em 2003, pela indicação do então deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para o Ministério da Defesa. “As coisas mudaram. Hoje comunista toma uísque, mora bem e vai na piscina”, afirmou na época. Ao ser questionado sobre a legalização do aborto, em uma entrevista dada à revista IstoÉ, em 2002, afirmou que a decisão caberia exclusivamente ao casal. Atualmente se diz “a favor da vida” e contra a interrupção da gravidez.

Pedaladas na Oktoberfest

Zeloso da fama de político honesto, com a qual tenta se diferenciar dos colegas e adversários, Jair Bolsonaro tem viajado país afora em campanha presidencial, bancando parte dos custos com a cota parlamentar da Câmara. Seja para pagar hotel, seja para voar até cidades em que reúne um público inflamado em aeroportos e auditórios. Segundo ele, não há irregularidade porque está cumprindo agenda relacionada ao mandato.

Em outubro de 2015, ele e o filho Eduardo participaram animadamente das comemorações da Oktoberfest em Blumenau (SC). Acompanhado do anfitrião, o deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), pedalou na Centopeia do Chope, o brinquedo que abre o desfile do tradicional grupo Planetapéia, percurso em que distribuiu acenos e sorrisos aos foliões.

Estavam vestidos a caráter, com a veste masculina alemã lederhosen, azul, com gravata amarela e chapéu vermelho. Após a festa, pai e filho retornaram para Balneário Camboriú (SC), onde estavam hospedados no Hotel Villa Mar. Eles haviam ido à cidade litorânea a convite de um empresário para discutir questões políticas. No encontro, Bolsonaro falou sobre o desejo de concorrer ao Planalto. As passagens não foram custeadas pela cota parlamentar. Mas as notas fiscais entregues à Câmara pelos dois deputados informam que as duas diárias custaram, ao todo, R$ 1 mil.

Mais recentemente, como mostrou a Folha de S.Paulo, Jair Bolsonaro fez uso da cota em pelo menos seis viagens onde também discursou como pré-candidato. Suas idas a cidades como Recife, Boa Vista, Belo Horizonte, João Pessoa, Curitiba e São Paulo custaram R$ 22 mil, ressarcidos pela Câmara. A assessoria do deputado nega que ele esteja em pré-campanha e atribui os deslocamentos a compromissos relacionados à segurança pública.

A gana de estar em permanente contato com os eleitores fez de Bolsonaro o deputado que mais gastou com correio nas três últimas legislaturas. De fevereiro de 2007 a junho de 2017 suas despesas postais custaram à Câmara exatamente R$ 870.163,98. Eduardo Bolsonaro, o filho eleito por São Paulo que o acompanha em suas viagens de pré-candidato a presidente, é na legislatura atual o deputado que mais gasta em passagens aéreas. Para arcar com seus deslocamentos aéreos, desde fevereiro de 2015 a Câmara gastou R$ 428.941,44.

A bomba que fez o político

Acusado por cinco irregularidades, o então capitão Bolsonaro teve de responder a um Conselho de Justificação, formado por três coronéis.

Dono atualmente de um discurso de ordem e disciplina militar e de críticas ferrenhas a movimentos sociais, o então capitão Jair Bolsonaro apareceu pela primeira vez no noticiário em 1987, nas páginas da revista Veja, após ser acusado de elaborar um plano para explodir bombas em quartéis como forma de protesto por baixos salários. Quando a reportagem foi publicada, Bolsonaro negou tudo ao então ministro do Exército, Leônidas Pires, a quem acusara de frouxidão e de tratar os militares como “vagabundos”.

A revista publicou então, na semana seguinte, o que classificou como provas do crime: um croqui desenhado pelo próprio Bolsonaro de como poderia bombardear a adutora de Guandu, no Rio, e um segundo desenho que mostrava a localização de outro capitão que apoiava os atos dele. Acusado por cinco irregularidades, o capitão Bolsonaro teve de responder a um Conselho de Justificação, formado por três coronéis. Ele foi condenado sob a acusação de ter mentido durante o processo.

A avaliação do conselho era de que ele tinha “excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente, revelando com isso conduta contrária à ética militar”. A decisão foi enviada ao Superior Tribunal Militar (STM) que, por oito votos a quatro, absolveu o réu. Como duas perícias confirmaram a autoria dos croquis e duas resultaram inconclusivas, acabou beneficiado pela dúvida.

Em 1988, passou para a reserva ao conquistar uma cadeira de vereador no Rio. Dois anos depois desembarcava na Câmara dos Deputados como um sindicalista de caserna. Todos os seus primeiros discursos eram voltados aos militares. Em geral, seus projetos tratam da remuneração e de outros benefícios para as Forças Armadas, da liberalização das regras para uso de armas e do endurecimento de penas para crimes, a menos quando são cometidos por agentes de segurança ou para defender o patrimônio privado.

Exército de militantes virtuais

Bolsonaro é um fenômeno digital. Dos atuais presidenciáveis é, desde o início de junho, quem mais faz sucesso no Facebook. Com 4,3 milhões de seguidores, desbancou da primeira colocação o senador Aécio Neves, que caiu em desgraça após a delação da JBS. As plataformas digitais de redes sociais estão abarrotadas de páginas e perfis de apoio à candidatura de Bolsonaro ao Planalto.

As postagens são diárias. Muitas delas têm alvo certo: o Partido dos Trabalhadores (PT). As Forças Armadas também são tema recorrente, mas, nesse caso, de exaltação. Quase todos os dias a equipe posta um vídeo diferente. Em muitas ocasiões, o próprio deputado interage com os fãs. No Twitter, ele acumula mais de 450 mil seguidores.

Aos opositores, ele responde da forma usual: sem filtros. No Instagram, mais de 446 mil usuários o seguem. Também lá, as postagens são diárias, muitas delas replicadas de outras redes. Publicar críticas a Bolsonaro na internet é sinônimo de comprar confusão. As respostas de seus admiradores costumam ser tão rápidas quanto virulentas e massivas. O deputado tem em torno de si uma rede de apoiadores engajados.

Com o claro propósito de impulsionar a candidatura de Bolsonaro ao Palácio do Planalto, esse exército voluntário tem alavancado a imagem do parlamentar com organização de ações digitais, potencializando cada polêmica em que ele se envolve e todas as opiniões que emite. Ele mesmo participa de vários grupos de WhatsApp, conversa, interfere e faz pedidos aos integrantes.

Conexões cristã e política

Com 19 anos, Raul Holderf articula uma das maiores redes de apoio a Bolsonaro. Estudante de Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele é adventista e se considera um jovem conservador e de direita. A militância começou pelo perfil no Twitter @conexãocristão, em meados de 2015, e se intensificou com a criação do @conexãopolítica no fim de 2016. Hoje, coordena uma equipe de 12 pessoas.“Não é sempre que falamos do Bolsonaro, entramos em ações pontuais como a defesa no caso com a Maria do Rosário”, explica.

Raul conheceu o deputado pessoalmente quando teve de realizar um trabalho escolar sobre políticos do Sudeste. Escolheu Bolsonaro e passou a admirá-lo: “Acho válido chamá-lo de mito pela forma como ele vem atuando: espontânea, sincera, firme, em defesa da família”. Raul admite que Bolsonaro não é incontestável. “Ninguém é perfeito, nenhum político é”, diz. Um dos problemas que ele aponta é a retórica furiosa do deputado, a mesma que alavancou sua imagem. “Às vezes, a forma como ele se expressa pode queimá-lo. Ele não é homofóbico e faz parecer que é, mas já vem mudando”, espera.

O ativista diz que, se alguém não concorda com o fato de outra pessoa ser gay, isso não é motivo para perseguir. “Não se pode gerar um discurso de ódio”, argumenta.

Pirâmide

Mais focado no Facebook e no WhatsApp, o coordenador de importações Thiago Turetti, 34 anos, comanda uma força-tarefa pró-Bolsonaro. “É o movimento ‘Jair Bolsonaro presidente’. Ao todo, somos 72 líderes. Cada um liderando outros grupos”, explica. Um grupo de WhatsApp reúne os 72 cabeças do movimento. Há outros para cada estado e para conversas com jovens. “É como uma pirâmide”, define.

Turetti trabalha quase em tempo integral na militância de Bolsonaro. No Facebook, ele criou em 2013 a página “Jair Bolsonaro presidente 2018”, além de outras dez, incluindo algumas com perfil de humor, como “Bolsonaro zueiro”, e outras como “Liga direitista”. Enquanto o WhastApp tem foco maior nas apoiadores mais engajados, em elaboração e disseminação de estratégias, o Facebook serve para ampliar a mensagem e persuadir novos eleitores.

Boa parte do conteúdo passa por Turetti. “Quase 80% do que postamos eu escrevo. Mas tem o pessoal que faz o design. Além disso, tenho de estar sempre de olho se não tem alguém da esquerda infiltrado”, comenta. O grupo da liderança define a pauta semanalmente. “A gente escolhe: atacar o Lula. A partir daí, pensamos a estratégia para levantar o assunto.” Ele diz que já foi marxista, mas só se tornou militante na direita.

Os dois bolsonaristas contam que já tiveram seus perfis bloqueados depois de denúncias. Faz parte do trabalho recuperar as contas e seguir mobilizando gente. “A gente já recebeu até ameaça de morte. Tem muito pastor que não gosta quando a gente bate na tecla da mercantilização do evangelho. A nossa mente é bem ampliada”, diz Raul. “Até 2018 a gente vai estar turbinado”, promete Turetti.

Cyborgs

Jair Bolsonaro tem uma militância orgânica, que trabalha voluntariamente e sem remuneração. Mas há indícios de que sua força na internet vai além dos seus militantes, que os adversários chamam de “bolsominions”. É provável que esteja relacionada também com o uso de cyborgs – “algo que é meio robô, meio humano”, explica o coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Fábio Malini.

O professor avalia que muitos dos perfis que apoiam Bolsonaro se enquadram nesse padrão. “É possível criar orientações computadorizadas para replicar conteúdo de determinada lista de usuários”, exemplifica. Difícil é identificar os cyborgs. “Todo militante político, de todos os lados, tem comportamento robótico, é monotemático “, afirma o professor. Ainda assim, existem padrões que indicam quando essas ferramentas são usadas. Quando, por exemplo, um grupo gera um círculo e se retuíta e se menciona mutuamente. Ou quando algumas publicações são feitas em volume elevado e em alta velocidade.

Malini fez um levantamento, a pedido da reportagem, dos tuítes que mencionaram Bolsonaro por uma semana — entre 26 de maio e 2 de junho. No total, foram registrados 75 mil tuítes, que correspondem a 10% de tudo o que foi dito sobre o presidente. “Num momento em que Temer está no olho do furacão, é bastante”, destaca Malini.

Ele acrescenta que “o campo conservador está bombando na internet” e esse movimento pode impactar de fato a sociedade. Para o pesquisador, uma questão em aberto é se a atuação nas redes poderá levar partidos nanicos ao poder. Ele lembra que a política é “altamente influenciada pela carga emocional das pessoas” e alerta que não existem algoritmos capazes de barrar as chamadas fake news, o que leva alguns a imaginarem Bolsonaro como uma espécie de Trump brasileiro.

Pouco dinheiro, muitos votos

Até o momento, ele tem conseguido aglutinar eleitorado em torno de si e de quem apóia. As campanhas eleitorais dele são baratas, sem gastos elevados de recursos. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro declarou ter gastado R$ 405 mil para se reeleger em 2014. Isso significa, pela quantidade de votos que alcançou, que cada um deles saiu a R$ 0,87.

A sistematização dos dados é do professor do Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor) da Câmara dos Deputados, João Marciano. “Foi uma campanha baratíssima. São dados que, entre outros elementos, nos permitem avaliar o tamanho do capital político do candidato. O voto muito barato significa que ele não precisou investir tanto, se esforçar tanto.

É claro que existe uma lógica perversa por trás disso, mas os dados nos dão um parâmetro de análise”, avalia Marciano, que desenvolve pesquisas sobre financiamento de campanha. Como comparação, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB), também eleito pelo Rio de Janeiro, teve a maior arrecadação entre os candidatos ao cargo de deputado federal. Para a campanha, ele angariou R$ 6 milhões. Com metade dos votos de Bolsonaro, cada voto recebido por Cunha custou, então, R$ 29,36. Ou seja, 33 vezes mais que o de Bolsonaro.

A marca do sobrenome também elegeu para o primeiro mandato o filho Eduardo, por São Paulo. Cada voto de Eduardo saiu ainda mais barato do que o do pai: R$ 0,64. Em maio, Bolsonaro foi cobrado por seus seguidores a dar explicações assim que seu nome apareceu na lista de beneficários de doações do grupo JBS, entregue pelos delatores à Procuradoria-Geral da República.

O portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indica que ele recebeu o valor de R$ 200 mil da JBS para sua campanha em 2014. Ele informou que devolveu o valor ao partido, o PP, como de fato consta nos dados da Justiça Eleitoral. No entanto, logo em seguida, o então candidato à reeleição recebeu exatamente o mesmo valor, dessa vez da conta do próprio PP no fundo partidário. A transação é vista por adversários como uma forma de maquiar a doação da JBS e se desvincular do grupo.

Também neste ano, em março, foi reaberta a investigação da chamada “Lista de Furnas”, que investiga como dinheiro de caixa dois teria abastecido 156 campanhas em 2000. Jair Bolsonaro aparece como destinatário de R$ 50 mil. Ele, assim como outros citados, boa parte do PSDB, alega que o documento foi forjado por petistas.

Tudo em família

A família Bolsonaro tem mais representantes no Legislativo brasileiro do que ao menos cinco partidos registrados: PCO, PSTU, Novo, PCB e PPL. São dois deputados federais, um deputado estadual e um vereador. Assim como o pai, Eduardo Bolsonaro, 33 anos, ocupa uma cadeira na Câmara, mas por São Paulo. Flávio Bolsonaro, 36, exerce mandato na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e Carlos Bolsonaro, 34, é vereador no Rio.

A família também faz sucesso na internet, com fotos e mensagens que procuram mostrar completa comunhão de ideias e propósitos. Carlos chegou à Câmara Municipal para substituir a mãe, Rogéria Nantes, que também trilhou carreira política enquanto o ex-marido queria. Em entrevistas, Bolsonaro atribuiu o fim do casamento à indisciplina de Rogéria. “Ela era uma dona de casa. Acertamos um compromisso. Nas questões polêmicas, ela deveria ligar para mim para decidir o voto dela. Mas começou a frequentar o plenário e passou a ser influenciada pelos outros vereadores. Eu a elegi. Ela tinha que seguir minhas ideias.”

Rogéria foi vereadora da capital fluminense, eleita em 1992 e 1996, basicamente pela força do sobrenome que acrescentou com o casamento. Sem mandato, trabalhou como assessora na Secretaria da Casa Civil do Rio até agosto de 2016. Mesmo com o término da relação, conserva o apoio político ao pai de seus três filhos. Caçula do casal, Carlos Bolsonaro foi eleito o vereador mais jovem do país, aos 17 anos, em 2000.

Como o pai e os irmãos, já defendia a pena de morte, a tortura para traficantes e chamava os sem-terra de vagabundos. Em 2016, foi o mais votado do Rio ao conquistar o seu quinto mandato. Empresário e advogado, Flávio Bolsonaro entrou para a política em 2003, como deputado estadual, também o mais jovem daquela legislatura. Está em seu quarto mandato. No ano passado, disputou a prefeitura do Rio. Com 424.307 votos (14% dos válidos), ficou na quarta colocação, à frente dos deputados federais Índio da Costa (PSD) e Jandira Feghali (PCdoB).

Eduardo Bolsonaro é novato na política. Policial federal, iniciou em 2015 o primeiro mandato. Saiu por São Paulo porque lá trabalhava na época. Seu gabinete é vizinho ao do pai, no anexo 3 da Câmara, conhecido por abrigar os deputados sem prestígio na Casa para se instalar no anexo 4, onde as salas são melhores. De seu segundo casamento com Ana Cristina Valle, Bolsonaro tem outro filho, Renan, hoje com 19 anos.

Em 1999, quando se divorciava de Rogéria, o deputado foi acusado de nepotismo ao empregar a companheira, o pai e uma irmã dela na Câmara. O sogro e a cunhada moravam em Juiz de Fora (MG), fora de Brasília e do estado de origem do parlamentar, o que contrariava as regras da Casa. Já Ana Cristina trabalhava no gabinete do líder do partido de Bolsonaro na época, o PPB. “Estou me divorciando da minha primeira mulher. A Ana Cristina é minha companheira. Não somos casados. Portanto, não são meus parentes”, justificou na ocasião.

No início de dezembro o jornal O Globo mostrou que uma irmã de Ana Cristina e tia de Renan Bolsonaro, Andrea, está lotada no gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSC-RJ), filho mais velho do presidenciável.

Em 2013, o deputado se casou com a atual esposa, a evangélica Michelle Bolsonaro. A cerimônia foi celebrada no Rio pelo polêmico pastor Silas Malafaia. Os dois já eram pais de Laura, a única filha do deputado, hoje com seis anos. “Tenho cinco filhos. Foram quatro homens. A quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”, disse o deputado em abril.

Troca-troca

O PSC, ao qual se filiou em 2016 e do qual está de saída, é a sétima sigla a abrigar Jair Bolsonaro. Antes, ele passou por PDC, PPR, PPB, PTB, PFL (hoje DEM) e PP. Apesar da trajetória marcada pela inconstância partidária, sua força eleitoral faz dele sonho de consumo de várias agremiações. Desta vez, tem demonstrado maior cautela para definir o futuro partido. Conversou com dirigentes e parlamentares de várias legendas. Entre elas, PR, PRB, Solidariedade e DEM. A expectativa é de que se filie ao PEN, rebatizado agora de Patriotas a pedido dele.

Sob rótulo novo, o Bolsonaro de sempre seria ajudado na tarefa de reciclar a imagem. Hoje, seus memes e vídeos banhados em cultura pop lhe dão um ar de “não político”, ou político não convencional, embora a velha política profissional seja o seu território há três décadas. No MB, quem desde sempre foi porta-voz de ideias antidemocráticas, como a defesa da ditadura e da tortura, endossaria o programa de um partido que “define a democracia como único meio livre e digno de atuação política e interação social”.

Os desafios para chegar ao Planalto

O professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) Márcio Coimbra acredita que Bolsonaro possa alcançar até 20 milhões de votos em uma eventual disputa presidencial. Para ter sucesso em uma eleição majoritária, no entanto, vai precisar de um partido de médio porte. Coimbra, que é consultor político internacional e já trabalhou no Partido Republicano dos Estados Unidos, acredita que Bolsonaro é um candidato facilmente derrotável no segundo turno – poucos se arriscariam a ficar do lado dele, tamanho o seu radicalismo.

Pré-candidato declarado, ele tem circulado o país para se fazer mais conhecido, apesar das três décadas de vida pública. Embora tenha construído sua imagem com base em polêmicas, estilo agressivo e postura de ataque, o deputado tenta suavizar o radicalismo pelo qual é conhecido e também tem sido orientado a baixar o tom nos discursos que faz na tribuna e em comissões da Casa.

O plano é recuperar imagens de falas menos coléricas e até mesmo cenas em que ele segure a bandeira arco-íris, símbolo do movimento LGBT, ao qual Bolsonaro endereça ataques recorrentes. Outra estratégia é valorizar comentários dele contra a corrupção. Na linha dessa pauta, em destaque na sociedade, o deputado e sua equipe pretendem se servir da rejeição à política tradicional e vender a ideia de que o PT e o PSDB, clássicos adversários da política nacional PT e PSDB, não têm diferenças reais. Para tentar domesticar o seu comportamento, o PSC chegou a pagar um curso de media training para Bolsonaro com a consultora de imagem Olga Curado. A mesma que cuidou da imagem eleitoral dos ex-presidentes Lula e Dilma, e de personalidades como o apresentador de TV Gugu Liberato.

O deputado aprendeu várias técnicas para conceder entrevistas, fazer discursos mais compreensíveis e amenizar seu estilo excessivamente agressivo.

Eleitorado surpreendente

Na pesquisa Datafolha divulgada em 26 de junho, Jair Bolsonaro aparecia na segunda posição em todos os cenários mensurados. O levantamento chega a indicar a liderança do congressista entre os que completaram o ensino superior e os que informam renda familiar maior que cinco salários mínimos.

Seu eleitor médio tem entre 16 e 24 anos, é homem, escolarizado e de renda elevada. O deputado, que atinge 16% das intenções de voto no cenário em que concorre com Lula (PT), Marina Silva (Rede) e Aécio Neves (PSDB), chega a 21% entre os que concluíram faculdade, vai a 27% entre os que têm renda familiar mensal de R$ 4,7 mil a R$ 9,4 mil e atinge 28% entre quem ganha mais que isso.

Sua popularidade decresce conforme a idade do eleitor aumenta. Entre as mulheres, ele tem metade das intenções de votos alcançada entre os homens, uma discrepância de gênero que não se repete com os outros pesquisados. O diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, considera surpreendente o resultado bem como o perfil do potencial eleitorado de Bolsonaro. “A formação dessa base eleitoral, não que ele tenha votos apenas nesse segmento, mas é geralmente uma base de esquerda, mais ligada a ideias progressistas. De fato, quando olhamos o eleitorado de Lula, ele também se destaca entre os mais jovens e mais escolarizados, só que os mais pobres e periféricos”, compara.

O radical que divide a direita

Professor de gestão de políticas públicas na Universidade de São Paulo (USP), Pablo Ortellado tem se dedicado ao estudo da polarização política no Brasil e do uso da imprensa e do noticiário nesse processo. “Jair Bolsonaro é um personagem muito extremo e representa de maneira muito forte uma parcela do conservadorismo moral, punitivista, contrário aos direitos humanos. Essa é uma fatia que ele expressa muito bem e está sabendo explorar”, considera.

Mas, para ampliar o público com quem dialoga, Bolsonaro terá de mudar. “Terá de deixar de ser quem é, e aí ele perde apoio desse eleitorado já conquistado”, avalia. Para o professor, esse é o grande desafio do deputado para se tornar um candidato viável. Embora seja tido como arauto da direita brasileira, Bolsonaro está longe de ser consenso nesse campo. “Ele é muito desqualificado. Não tem domínio de política pública, não é qualificado para se tornar presidente. Não consigo ver o establishment aceitando uma pessoa como ele”, afirma Ortellado.

Num debate eleitoral, o pesquisador acredita que essas limitações serão evidenciadas. “Ele só tem uma retórica em que explora ao máximo, no limite, a insatisfação das pessoas. “Definitivamente, ele não é dominante no campo antipetista. Mas quando a esquerda o coloca como vilão, ele ganha espaço. Num cenário polarizado, as pessoas olham e acreditam que, se ele é uma pedra no sapato da esquerda, logo, deve ser bom”, observa o professor. Ainda assim, Pablo Ortellado entende que Bolsonaro está à parte do jogo democrático, por suas posições autoritárias, enquanto a direita permanece na disputa inerente à democracia.

Isso explica, no entendimento dele, porque o deputado está longe de ser unanimidade na direita. Márcio Coimbra, que já trabalhou em partidos de direita dos Estados Unidos, da Itália e da França, enfatiza que esse campo também tem vertentes diferentes. “Bolsonaro tem uma veia conservadora nos temas sociais. E a agenda econômica? Nosso regime militar foi altamente estatizante.

O governo de Geisel gerou a década perdida de 1980, como o de Dilma. Ele defende um regime que na área econômica é estatista. Não fica claro quem ele é, o que defende”, adverte o analista político. Ou seja, na prática, Bolsonaro não abraça a direita liberal, bate de frente com ela na área econômica.

Outsider, com teto

Esse público que se identifica com Bolsonaro encontrou nele um outsider. “O eleitorado quer alguém descolado do sistema político tradicional. Por isso, Bolsonaro cresce. Mas tem um teto”, afirma Márcio Coimbra, do Ibmec. Apesar de extensa carreira pública, com traços bastante tradicionais da política brasileira, como a colocação de parentes no sistema, o deputado tenta se apresentar como uma novidade justamente por sua baixa circulação no alto clero da política. “É uma pessoa que não faz parte do establishment, nunca teve cargos em estatais, nunca ocupou ministérios, nunca teve posição de destaque”, diz Coimbra.

O Datafolha acompanha o comportamento político do brasileiro desde 1989. “O ano de 2013 foi um divisor na percepção da população, que desacredita cada vez mais da política. Temos dois terços da população sem qualquer preferência partidária. É a taxa mais alta desde 1989”, analisa Mauro Paulino. “Com esse desalento, o eleitor procura soluções fáceis para problemas complexos. Aí que Bolsonaro cresce. Mesmo um eleitorado mais escolarizado, com mais acesso a informação, se volta para esse perfil”, avalia.

Nesse cenário, não é improvável que ele continue crescendo. Mas Paulino também acredita em um teto. “Não vai ser só com bravatas que ele vai se manter. Quando começa a campanha de rádio e TV os eleitores acordam que as eleições estão de fato sendo disputadas. A marca precisa ser consistente para resolver os problemas mais graves”, completa o diretor do Datafolha.

Incitação ao estupro

Além de provocar repulsa e rejeição entre mulheres, o episódio com a deputada Maria do Rosário (PT-RS) poderá se tornar uma barreira mais sólida para Jair Bolsonaro. O deputado está preocupado com ação penal da qual é réu por incitação ao estupro no Supremo. Em março, por unanimidade, o colegiado negou recurso protocolado pela defesa do parlamentar, que alegou falhas na decisão que o tornou réu. Em junho do ano passado, o STF aceitou uma queixa-crime apresentada por Maria do Rosário. Se for condenado, poderá ter o mandato cassado e ficar inelegível.

Em 9 de dezembro de 2014, em discurso no plenário da Câmara, Bolsonaro disse que só não estupraria Maria do Rosário porque ela não merecia. No dia seguinte, o parlamentar repetiu a declaração em entrevista ao jornal Zero Hora. Ao julgar o caso, a Primeira Turma do Supremo entendeu que a manifestação de Bolsonaro teve potencial de incitar homens à prática de crimes contra as mulheres. O emprego do termo “merece” pelo deputado confere ao crime de estupro “um prêmio, favor ou uma benesse”, que dependem da vontade do homem, entenderam os ministros.

Não foi a primeira vez. Ele usou as mesmas ofensas durante uma discussão com a deputada em 2003. O bate-boca, que ocorreu no Congresso, durante uma entrevista que Bolsonaro dava a um canal de televisão, começou com uma discussão sobre maioridade penal, até que ele rebateu a colega, alegando que não a estupraria porque ela não merecia. Na ocasião, ele também a empurrou. Após ser ofendida novamente, em 2014, Maria do Rosário afirmou que, caso a Câmara tivesse tomado uma atitude à época, ela não teria de ouvir, 11 anos depois, o mesmo ataque.

Separados no impeachment

Aliados na votação do impeachment de Dilma, o Movimento Brasil Livre (MBL) e Bolsonaro se estranharam publicamente nos últimos meses. Procurado para comentar o assunto, Kim Kataguiri, um dos líderes do MBL, não quis se manifestar. Outra liderança do MBL, o vereador paulistano Fernando Holiday (DEM), disse a esta revista que Bolsonaro cumpriu seu papel: o de trazer à tona o pensamento mais à direita e firmar contraponto à esquerda no Parlamento.

Holiday acredita, no entanto, que falta clareza ao parlamentar quanto aos seus planos para o Brasil. “Não se sabe o perfil do seu possível ministério, os projetos para o governo. A gente sabe o que ele pensa no campo da segurança pública, da moral. Nisso, não temos discordância. Mas tenho muitas dúvidas quanto à capacidade dele em gerir a máquina pública”, diz.

O vereador também fez críticas à homenagem prestada por Bolsonaro ao coronel Brilhante Ustra, primeiro militar reconhecido pela Justiça brasileira como torturador, durante a votação do impeachment de Dilma. Nas redes sociais, seguidores de Bolsonaro atribuem as críticas do MBL a um suposto compromisso com o PSDB, na figura do prefeito paulistano João Doria, que bolsonaristas não cansam de atacar.

Polêmica também entre os militares

Jair Bolsonaro tem público cativo nas Forças Armadas e nas três polícias (Civil, Federal e, sobretudo, Militar). Apoiadores do deputado estavam entre os líderes da rebelião que, em fevereiro de 2017, paralisou a PM do Espírito Santo. Páginas nas redes sociais, comentários e recepções acaloradas em eventos públicos deixam claro que parcela considerável do oficialato também se sente representada na figura do capitão da reserva. Mas ele está longe de ser unanimidade entre militares e profissionais da segurança pública. Nem mesmo sua promessa de entregar metade do ministério a oficiais das Forças Armadas pôs fim às restrições que boa parte da cúpula militar faz a ele.

Em nome do combate à criminalidade, Bolsonaro fala em pena de morte, redução da maioridade penal, armamento da população e ofensiva contra os direitos humanos, o contrário do que sugere o grupo Policiais Antifascismo, que se articula nacionalmente para apresentar um novo modelo de segurança para o Brasil. O delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro Orlando Zaccone, um dos integrantes, diz que o grupo defende a desmilitarização da segurança. Segundo ele, o discurso de Bolsonaro é perigoso, por se apoiar em clichês que muitos veem como solução e “que têm sido a porta de entrada do fascismo”.

Mas é considerado “tosco” pela maioria dos membros das Forças Armadas e pelos especialistas em segurança. Zaccone afirma ser um risco acreditar que ações repressivas vão ficar restritas aos criminosos. “Sabemos que vai acabar repercutindo nas classes mais baixas. É o autoritarismo para os outros. A repressão com participação das forças militares, como ele prega, é uma continuidade da ditadura”, aponta.

Discurso confuso

O coronel Ibis Pereira, ex-comandante-geral da PM do Rio de Janeiro, afirma que nem os militares sabem que planos Bolsonaro tem para a área da segurança pública, a mais citada por ele em seus discursos. “Não conheço bem, porque acho o discurso dele confuso. Não consegui ver ainda um projeto para a área, se ele tem a perspectiva de montar um plano efetivo de segurança”, diz.

De acordo com o Atlas da Violência 2017, divulgado no dia 5 de junho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma pessoa morre a cada nove minutos no Brasil de forma violenta. De cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras. Mais de 80% dessas mortes são por armas de fogo. “É um cenário muito grave, que nos coloca em estado de alerta, em um ambiente de medo. Então Bolsonaro mobiliza isso, mobiliza afetos. E afetos ruins: o medo e o ódio. São sentimentos pouco racionais”, diz o coronel Ibis, acrescentando que flexibilizar o uso de armas, com tantas mortes por armas letais, não seria nada inteligente. “Ele tem uma narrativa voltada para capitalizar em cima desses sentimentos, mas é muito pouco propositivo”, analisa.

Ele cita, como exemplo, o projeto de castração química. “Vítimas de estupro estão em sofrimento. A pessoa que está sofrendo quer ser amparada e que isso encontre repercussão na fala de alguém. Mas nossa Constituição sequer permite pena cruel, com caráter definitivo”, afirma. Para ele, o crescimento de Bolsonaro só se explica pelo cenário de crise e descrença na política. “A democracia precisa privilegiar a razão.”

Sim, mas as emoções costumam decidir campanhas eleitorais e impulsionar os acalorados e frequentemente irracionais debates nas redes digitais. E é nesse ambiente, num país ávido em encontrar saídas para uma crise profunda, que Bolsonaro deixa de ser visto como piada de mau gosto para ser encarado como candidato capaz, no mínimo, de incomodar os adversários em 2018.

Mais primitivo que Trump

“Não há, entre nós, uma rejeição à figura dele como na esquerda. Estamos em consonância quanto à ‘Escola sem Partido’, por exemplo. Sou favorável à castração química aos estupradores. Acompanho também a atuação do Eduardo Bolsonaro. Pessoas dentro do movimento o apoiam. Mas fico reticente quanto à visão histórica dele, mais simpática ao regime militar, e às posições nacionalistas na economia, como o regime defendia”, avalia o vereador Fernando Holiday.

A “Escola sem Partido” é um projeto polêmico, em discussão no Congresso, que criminaliza professores que venham a expressar visões de mundo consideradas “ideológicas”. O deputado é alvo de outros nomes associados à direita brasileira. “Bolsonaro não é de direita, o Bolsonaro é burro, é diferente. Burro não é ofensa, Bolsonaro, quer dizer que você não entende do que fala. Está muito abaixo de Trump [presidente dos EUA], que tem mais educação. É muito mais primitivo do que isso”, diz o jornalista Reinaldo Azevedo, influente formador de opinião no espectro ideológico conservador.

Em entrevista à Rádio Jovem Pan, Bolsonaro se irritou com o historiador Marco Antônio Villa, também identificado com a direita, ao ser questionado sobre assuntos ligados à economia e à política internacional. O apresentador o havia chamado de “embusteiro” na véspera. Bolsonaro tergiversou das perguntas, insistiu na defesa da ditadura militar e do combate à corrupção e caiu em contradições ao defender as privatizações — modelo oposto às estatizações promovidas pelos militares. Com mais tempo de vida política que de quartel, o capitão que antes brigava por salários tem uma lista de bens declarados à Justiça Eleitoral que dobra a cada eleição.

Em 2014, Bolsonaro informou possuir R$ 2 milhões em patrimônio. Na primeira declaração de bens, de 1990, registrou 38.121 cruzados novos, o que, pela conversão para a moeda atual, equivaleria a R$ 28 mil. A evolução patrimonial, no entanto, de acordo com analistas ouvidos pela reportagem, aparenta ser compatível com os ganhos dele como deputado federal e a valorização dos bens adquiridos no início da carreira. A relação inclui imóveis, terrenos, veículos. Além de troca de veículos, apenas em 2014 ele registrou novos imóveis. Nesse caso, duas casas na Avenida Lúcio Costa, à beira-mar no Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca.

Fonte: Congresso em foco

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