Saúde

ABORTO LEGAL

CFM impede procedimento para interromper a gravidez após 22 semanas

A resolução do Conselho proíbe a assistolia fetal mesmo em caso de aborto previsto por lei oriundo de estupro

Da Redação

Sexta - 05/04/2024 às 09:33



Foto: Clinica Nascer Gravidez
Gravidez

Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada nessa quarta-feira (3), no Diário Oficial da União, proíbe a realização da assistolia fetal para interrupção de gravidez em fase avançada, em caso de aborto previsto por lei oriundo de estupro, após a 22ª semana.

“É vedada ao médico a realização do procedimento de assistolia fetal, ato médico que ocasiona o feticídio, previamente aos procedimentos de interrupção da gravidez nos casos de aborto previsto em lei, ou seja, feto oriundo de estupro, quando houver probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas”, destaca a publicação. A decisão foi tomada em sessão plenária no fim de março.

A assistolia fetal provoca a morte do feto, antes do procedimento de interrupção da gravidez, por meio da administração de drogas, como cloreto de potássio e lidocaína, no coração do feto, o que interrompe seus batimentos cardíacos, garantindo que ele seja retirado do útero sem sinais vitais. A assistolia é um método recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), para casos de aborto legal acima de 20 semanas.

Atualmente, a lei brasileira permite a interrupção da gravidez quando há risco de vida para a mulher e quando a gestação é resultado de um estupro, segundo o Código Penal. Também há entendimento do Supremo Tribunal Federal em que o estupro é permitido em casos onde há anencefalia do feto.

Segundo o relator do texto e conselheiro federal do CFM, Raphael Câmara, a norma é "um ato civilizatório de se impedir de matar um bebê de oito, nove meses".

“Não estamos tirando o direito da mulher de se livrar daquela gravidez indesejada”, disse, em entrevista coletiva nessa quinta-feira (4). “A mulher não é obrigada a ficar com aquele fruto indesejável do estupro. A única coisa que estamos pedindo é impedir de matar um bebê viável”, completou. Segundo ele, após 22 semanas, os casos não configurariam mais aborto, mas antecipação de parto.

A alternativa sugerida pela resolução é a indução do parto sem o processo prévio da assistolia, o que não garante que o bebê vá nascer sem vida.

Rosires Pereira, presidente da Comissão Nacional Especializada em Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista em Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), explica que sem a assistolia fetal, a interrupção da gravidez tardiamente não pode ser realizada.

"Porque o direito na Lei é para um aborto que tire a vida do feto. Mas a indução do parto nessa fase gestacional pode levar ao nascimento de bebês com vida e com risco de diversos problemas de saúde, como questões neurológicas. E a Lei não define limite de idade, então é um absurdo a norma do CFM", afirma.

A comissão é composta por 16 especialistas, que passaram a quarta-feira discutindo a decisão do CFM e elaboraram um documento em que discordam da medida. O posicionamento, divulgado na manhã desta sexta-feira (5), afirma que o CFM está penalizando as mulheres vítimas de estupro pela imposição de uma idade gestacional limite para a realização da antecipação terapêutica do parto. Confira aqui a nota.

"Nos termos atuais da Resolução, o CFM acaba proibindo a realização de abortos após as 22 semanas, uma vez que a realização da indução de assistolia fetal é procedimento necessário e essencial para o adequado cuidado ao aborto. Com isto, o CFM estabelece restrições ilegais ao acesso ao aborto, estabelecendo limites de tempo gestacional para o procedimento, no Brasil – restrições estas que não encontram respaldo na legislação atual, além de desconsiderar paradigmas importantes de Direitos Humanos, expressos em Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário", afirma a nota.

"Não somos favoráveis à realização de um aborto em si, mas existem situações que podem levar a essa necessidade, e esse direito é garantido em Lei. E como temos poucos serviços que o fazem, muitas mulheres não têm acesso no início da gestação. Outro ponto é que meninas de 10, 11 anos que engravidam por um estupro demoram para buscar o procedimento, porque muito frequentemente a violência vem da própria casa, de familiares. Podem demorar até mesmo para notarem as mudanças corporais. E há muitos casos de violência em que as mulheres são mantidas em cativeiro. São esses casos, que geralmente envolvem mulheres pobres, negras e sem acesso, que serão afetados pela resolução", continua Rosires Pereira.

Para a coordenadora da organização não governamental (ONG) feminista Grupo Curumim, Paula Viana, a resolução “mais desprotege do que atende aos direitos das mulheres”. “É uma resolução muito ambígua”, avaliou.

“Não existe, na Constituição brasileira, esse conceito de vida desde a concepção. Portanto, é uma resolução também inconstitucional, que desprotege, principalmente meninas e mulheres. A criminalização fica visível, pois considera valores, coloca a vida de meninas e mulheres com baixo valor, expõe mais a riscos.”

Fonte: O Globo|Agência Brasil

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