Saúde

Região no Amazonas tem um médico para cuidar de 17 mil indíos

Em uma das aldeias, índios constroem centro médico para ajudar na fixação dos futuros profissionais

Domingo - 16/12/2018 às 16:12



Foto: Reprodução Programa Mais Médicos
Programa Mais Médicos

Uma área com 17 mil indígenas e 120 aldeias está na lista dos distritos indígenas que concentram 59% das vagas não ocupadas dos Mais Médicos. O Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Parintins, no Centro Amazonense, tem atualmente somente um médico atuando, conforme o diretor do distrito, José Augusto. Narcotráfico, piratas e conflitos de terras: problemas marcam região de distritos indígenas do AM que seguem sem médicos

Mais Médicos: maioria das vagas não ocupadas está nos distritos indígenas

Preencher todas as 12 vagas de profissionais deste Dsei está entre as missões do Ministério da Saúde, que prorrogou prazos dos editais para todas as vagas ainda abertas no Brasil e que espera que os mais de 8 mil médicos formados no exterior que se inscreveram na 2ª etapa do programa preencham 100% das vagas, inclusive nas áreas isoladas (veja íntegra do posicionamento do ministério ao fim da reportagem).

Os desafios, porém, são vários, conforme constatou a equipe de reportagem do G1 em visita ao distrito (veja abaixo) e no levantamento dos cenários (distância do local, perfil do médico e plano de carreira) que tornam as vagas menos atrativas para os médicos.

Das 106 vagas que não foram ocupadas no Mais Médicos, 63 estão em Dseis. No Brasil, 301 dos 529 médicos nos distritos indígenas eram cubanos — 57%, segundo o Ministério da Saúde. A população atendida nos distritos de saúde indígena é de 818 mil pessoas, segundo o governo federal.

Isolamento e carências

A viagem é longa até a aldeia Kassauá, onde vive o povo Hixkaryana, no coração do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Parintins. Eles também estavam entre os povos indígenas beneficiados pelo atendimento dos médicos cubanos.

Para alcançar a aldeia Kassauá preciso pegar um avião e viajar 40 minutos até a sede do Dsei de Parintins. De lá, são mais dois dias de barco até a comunidade, que fica a mais de 280 km do município de Nhamundá. Com a baixa adesão de novos profissionais, o cacique do povoado lamenta o fim da parceria com Cuba.

Desde a implantação do programa e da chegada de cubanos ao interior do Amazonas, os passaram a receber – e aceitar – a ajuda da medicina tradicional. Aprenderam o valor do convívio e da ajuda externa. Abriram as portas de sua Mayá (a grande casa de encontro da aldeia) para aqueles que abraçaram a saúde indígena. Agora, eles lamentam a falta de médicos.

Com a saída dos cubanos, foram abertas 12 vagas para o Mais Médicos na área indígena. Segundo o Ministério da Saúde, ao fim do edital da primeira etapa de seleção, três vagas seguiram em aberto na área. O diretor do distrito, José Augusto, no entanto, diz que apenas duas delas foram preenchidas. Nove se inscreveram, mas não se apresentaram ainda. Na última sexta (14), o Ministério da Saúde prorrogou o prazode apresentação dos médicos para o dia 18 de dezembro.

Atualmente, apenas um médico – brasileiro formado em Cuba – é responsável pelo atendimento de 17 mil indígenas, distribuídos em mais de 120 aldeias.

Por lá, a maioria dos atendimentos é voltado a problemas musculares crônicos, que são muito comuns entre os índios da região, e problemas estomacais. O primeiro decorre da prática e constância do esforço físico dos índios. O segundo está diretamente relacionado à má qualidade da água consumida.

Cacique geral da tribo se preocupa com falta de interesse de brasileiros em trabalhar nos DSEIS — Foto: Douglas Henrique/Rede Amazônica

O cacique da tribo – ou tuxaua, como também é reconhecido em sua etnia -, José Henrique Kawonoxa, eleito pelo grupo em 2016, atua como uma espécie de prefeito-xerife na aldeia. Em tom de lamento e com discurso claro de insatisfação, ele levanta a bandeira do abandono quando é questionado sobre a situação da saúde da sua comunidade.

"Agora, preocupação é como vamos ficar. Será que médicos brasileiros vão querer trabalhar aqui? Será que vão gostar de ficar na aldeia? Isso me preocupa”, diz o tuxaua geral.

"Todos nós, indígenas, ficamos muito tristes com a saída dos cubanos dos polos base de atendimento. Para nós a notícia é muito ruim. Todas as aldeias da região reclamam da volta dos cubanos", comenta.

Aos médicos, sobram elogios e agradecimentos. "Queremos agradecer médicos que trabalharam aqui na aldeia, aqui no atendimento à população indígena. Com a notícia da saída dos médicos, nós queríamos agradecer pelo bom trabalho feito aqui na aldeia. Eles atenderem ao povo. Todos os pacientes."

Construção de nova UBS

A relação dos indígenas da região com o serviço de saúde pública andava tão boa que índios decidiram participar ativamente da construção de uma réplica da sede do Dsei de Parintins, com uma Unidade Básica de Saúde Indígena, para que, dali da foz do Rio Nhamundá, médicos pudessem ter melhores condições de trabalho.

Enquanto mulheres ficam responsáveis pela cozinha e suprimentos da obra, índios fazem o transporte de materiais de construção para o novo Dsei. São necessários ao menos 60 homens para conseguir levar os materiais como tijolos e cimento pelo rio de difícil navegação. A obra é pública e financiada por repasses federais. Mas conta com os braços do povo hixcaryano.

Na última semana, o povo participou de uma Conferência Nacional de Saúde Indígena. Em pauta, estavam as mudanças no atendimento e as providências que o próprio povo reconhece e sugere.

"Uma conferência está sendo realizada aqui na aldeia Kassauá para falar disso. Nessa comunidade é importante, porque vamos apresentar [ao Estado] propostas para melhorar a saúde indígena. Vamos mostrar a nossa realidade. E essas propostas vão ser encaminhadas aos delegados distritais", diz o cacique.

Em meio à incerteza da saúde indígena, o tuxaua geral faz apelo ao Estado: "Hoje eu peço aos kaiowás [brancos]: eu sou liderança daqui, representante dos povos hixkaryanam, sou tuxaua geral. Peço que o estado e o município nos apoiem nas nossa ações".

Preenchimento das vagas remanescentes

A primeira etapa de seleção dos Mais Médicos, voltada para profissionais brasileiros, foi encerrada no dia 7 de dezembro. Dos 8.411 profissionais aprovados nela, 5.891 (cerca de 70% deles) já haviam se apresentado nos municípios até 17h de sexta-feira (14). O Ministério da Saúde prorrogou até a próxima terça (18) o prazo para os médicos se apresentarem nos municípios onde escolheram trabalhar.

Para preencher as vagas que faltam, foi aberto um novo edital, que também inclui profissionais formados no exterior que não validaram o diploma no Brasil. Até sexta (14), 8.630 médicos haviam completado a inscrição, cujo prazo termina no domingo (16).

A partir do dia 20, os profissionais com registro no país terão nova oportunidade para se inscrever no programa e escolher os municípios disponíveis. Nos dias 27 e 28, será a vez de os médicos formados no exterior escolherem onde querem trabalhar. Depois, em 3 e 4 de janeiro, os estrangeiros sem registro no país podem se candidatar a vagas.

Posicionamento do Ministério da Saúde

Sobre o baixo preenchimento de vagas em áreas indígenas por profissionais do Mais Médicos, o governo enviou ao G1 o posicionamento abaixo. Procurada, a Funai não quis se manifestar.

"O Ministério da Saúde tem tomado medidas necessárias para preencher as vagas de médicos cubanos que atuavam pelo Programa Mais Médicos por meio da cooperação com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), garantindo a assistência aos brasileiros, inclusive aqueles que moram nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). É importante ressaltar que o novo edital ainda está em vigência. Os profissionais com registro no Brasil que escolheram localidades estão na fase de se apresentarem onde irão atuar.

Nessa primeira chamada foram preenchidas 98,7% (8.411 profissionais alocados) das 8.517 vagas disponibilizadas do Edital vigente. Até o momento, existem 63 vagas abertas em DSEI para as próximas etapas. Ou seja, das 332 vagas disponíveis em distritos indígenas, 18,9% (63) não foram escolhidas pelos profissionais. Na próxima semana será feito um balanço das vagas disponíveis, o que soma as desistências e as aquelas que não tiveram procura. Então, os profissionais com registro no país (CRM) terão nova chance para se inscrever no programa e escolher as localidades disponíveis. Vale lembrar, ainda, que também está em andamento uma chamada para profissionais com registro fora do Brasil. Até esta quarta-feira (12), 9.261 profissionais formados no exterior já haviam iniciado as inscrições.

No Brasil, são 34 DSEIs divididos estrategicamente por critérios territoriais e não, necessariamente, por estados, tendo como base a ocupação geográfica das comunidades indígenas. Além dos DSEIs, a estrutura de atendimento conta com postos de saúde, com os Polos base e as Casas de Saúde Indígena (Casais). O Ministério da Saúde busca o aprimoramento constante das ações em saúde dos povos indígenas, sempre observando e respeitando as práticas de saúde e os saberes tradicionais e articulando com os demais gestores do SUS a promoção de atividades complementares e especializadas.

Para viabilizar essa assistência, o Ministério da Saúde utiliza transportes aéreos (aviões e helicópteros), terrestres (caminhonetes, caminhões, vans) e aquáticos (barcos) para a remoção de pacientes em consultas médicas, atendimentos de urgência e emergência e no transporte das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) em áreas específicas de programas desenvolvidos pela pasta."

Fonte: G1

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