PGR divulga detalhes da operação que prendeu quatro membros da polícia do Senado

Inquérito apura o uso indevido de recursos públicos do Senado para obstruir investigação da Operação Lava Jato.


Policiais do Senado em Frente ao Congresso Nacional

Policiais do Senado em Frente ao Congresso Nacional Foto: Edmilson Rodrigues/Ag. Senado

A Procuradoria da República no Distrito Federal divulgou na noite de sexta-feira (21) a íntegra da manifestação do Ministério Público Federal (MPF) sobre uma das diligências do inquérito que apura o uso indevido de recursos públicos do Senado para obstruir investigação da Operação Lava Jato. Deflagrada pela manhã, a ação policial foi motivada, segundo o MPF, pelo fato de que os policiais legislativos presos usaram a estrutura e a verba da Casa para desfazer grampos telefônicos em seis endereços de três senadores e um ex-parlamentar investigados no esquema de corrupção descoberto pela Polícia Federal na Petrobras.

À parte o emprego indevido de dinheiro, segundo o entendimento do MPF, a polícia legislativa custa caro. Como este site mostrou mais cedo, com exclusividade, a estrutura da Polícia do Senado Federal consumiu, com folha de pagamento e outros três tipos de despesa, quase R$ 80 milhões dos cofres públicos no ano passado, segundo dados obtidos pela reportagem com a Casa por meio da Lei de Acesso em Informação (mais precisamente, R$ 79.246.636,33). Segundo o Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), apenas a folha de pagamento da polícia legislativa custou R$ 57.497.636,83 nos 12 anos de 2015.

“No caso dos autos, há indícios suficientes da prática de crimes de obstrução de justiça com o escopo de obstaculizar a atuação da Polícia Federal no âmbito da ‘Operação Lava Jato’. A oitiva dos agentes da Polícia Legislativa, bem como as informações policiais acostadas aos autos, evidenciam que policiais foram deslocados a residências de membros do parlamento e ex-membros da casa legislativa com a finalidade de realizar varreduras e identificar a presença de possíveis escutas telefônicas ou ambientais. As varreduras foram determinadas por Pedro Ricardo Araújo Carvalho após notícias divulgadas no sentido de que senadores da República e o ex-senador José Sarney eram alvo de investigação no âmbito do Supremo Tribunal Federal”, diz trecho da manifestação do Ministério Público.

Leia a íntegra:

“EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DA 10ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL

Distribuição por dependência aos Autos nº 35396.2016

SIGILOSO

O Ministério Público Federal, pelo procurador da República signatário, em atenção ao despacho manuscrito de fls., manifesta-se nos seguintes termos.

1.Breve relatório

A presente investigação (IPL n° 010/2016) faz parte do contexto de apuração de crime de obstrução de justiça praticado, em tese, por PEDRO RICARDO ARAÚJO CARVALHO, que ocupa o cargo de Diretor da Polícia Legislativa do Senado Federal. O citado agente público usa a estrutura de recursos humanos do Senado Federal e determina a realização de “varreduras” nas residências particulares de senadores e exsenadores.

A autoridade policial representa por quatro providências (fls. 3/65):

1) pela prisão temporária de:

1.a) PEDRO RICARDO ARAÚJO CARVALHO;
1.b) ANTÔNIO TAVARES DOS SANTOS NETO;
1.c) EVERTON ELIAS FERREIRA TABORDA;
1.d) GERALDO CÉSAR DE DEUS OLIVEIRA;

2) pela expedição de mandados de BUSCA E APREENSÃO em cinco endereços:

2.a) instalações da Polícia do Senado Federal;
2.b) residência de PEDRO RICARDO ARAÚJO CARVALHO;
2.c) residência de ANTÔNIO TAVARES DOS SANTOS NETO;
2.d) residência de EVERTON ELIAS FERREIRA TABORDA e
2.e) residência de GERALDO CÉSAR DE DEUS OLIVEIRA;

3) A suspensão do exercício da função pública de:

3.a) PEDRO RICARDO ARAÚJO CARVALHO
3.b) ANTÔNIO TAVARES DOS SANTOS NETO
3.c) EVERTON ELIAS FERREIRA TABORDA
3.d) GERALDO CÉSAR DE DEUS OLIVEIRA
4) pelo levantamento do sigilo dos fatos ora investigados.

É o breve relatório. Passo à manifestação.

2. Dos fundamentos das medidas cautelares ora solicitadas:

O deferimento de medidas cautelares sob reserva jurisdicional sujeita-se também aos pressupostos gerais das cautelares: a) fumus boni iures (aparência do direito); b) periculum in mora (urgência e risco de perecimento do direito) e c) proporcionalidade (adequação e necessidade da ordem) e razoabilidade (inexistência de outra medida menos invasiva que satisfaça à pretensão).

Conforme restará demonstrado ao longo da presente manifestação, tais requisitos encontram-se plenamente satisfeitos em relação aos pedidos apresentados pela Autoridade Policial.

Tratemos, pois, individualmente, de cada um dos requisitos elencados pela lei para a concessão ou indeferimento das medidas objeto da representação de fls. 03/65.

2.1. Do fumus boni iures (aparência do direito)

No caso dos autos, há indícios suficientes da prática de crimes de obstrução de justiça com o escopo de obstaculizar a atuação da Polícia Federal no âmbito da ‘Operação Lava Jato’.

A oitiva dos agentes da Polícia Legislativa, bem como as informações policiais acostadas aos autos, evidenciam que policiais foram deslocados a residências de membros do parlamento e ex-membros da casa legislativa com a finalidade de realizar varreduras e identificar a presença de possíveis escutas telefônicas ou ambientais.

As varreduras foram determinadas por PEDRO RICARDO ARAÚJO CARVALHO após notícias divulgadas no sentido de que senadores da República e o exsenador José Sarney eram alvo de investigação no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

PEDRO RICARDO ARAÚJO CARVALHO conta com o apoio imprescindível de ANTÔNIO TAVARES DOS SANTOS NETO, EVERTON ELIAS FERREIRA TABORDA e GERALDO CÉSAR DE DEUS OLIVEIRA para executar os atos de obstrução de justiça.

A Polícia Federal apresenta detalhadamente as varreduras nos escritórios do Senador Edson Lobão Filho em Brasília/DF e em São Luiz/MA, no endereço do exSenador José Sarney, no endereço do Senador Fernando Collor e no endereço da Senadora Gleise Hoffmann.

2.2. Do crime de obstrução de justiça (art. 2º da Lei nº 12.850/2013)

Em tese, as condutas ora investigadas amoldam-se à figura típica prevista na Lei nº 12.850/2013, in verbis:

Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena-reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

Importante ressaltar que a realização de varreduras, por si, não constitui crime. Ocorre que, por se tratarem de endereços vinculados às pessoas objeto de investigação no âmbito do Supremo Tribunal Federal, sobre as quais há uma atuação do Estado coordenada e vinculada no intuito de esclarecer fatos supostamente criminosos, a deliberada utilização de um equipamento sofisticado, de propriedade do Senado Federal, utilizando recursos públicos, passagens aéreas custeadas pelo Erário e servidores concursados, em escritórios ou residências particulares, não possui outro objetivo senão o de embaraçar a investigação de infração penal que envolve organização criminosa.

A partir das informações cuidadosamente colhidas pelo Departamento de Polícia Federal, vê-se que a estratégia utilizada pelo grupo consistia na utilização de estratagemas para possibilitar a descoberta de captação ambiental implementada com autorização judicial.

Para tanto, utilizaram-se da estrutura do Senado Federal para realizar medidas de contrainteligência. A prática de tais atos, além de sob nenhuma hipótese constituírem atribuições de policiais legislativos, encontram previsão na legislação penal.

Os servidores alvo das medidas constritivas requeridas pela Polícia Federal, além de terem plena consciência da ilicitude de seus atos, ainda foram devidamente avisados pelo Setor Jurídico do Senado Federal, o que reforça a gravidade de suas condutas.

Não obstante haja necessidade de aprofundamento das investigações, constata-se que, de acordo com o acervo probatório já colacionado aos autos, é indubitável a relação de proximidade entre PEDRO RICARDO ARAÚJO CARVALHO, ANTÔNIO TAVARES DOS SANTOS NETO, EVERTON ELIAS FERREIRA TABORDA e GERALDO CÉSAR DE DEUS OLIVEIRA.

Tal conclusão foi amplamente demonstrada na representação policial, a qual esta manifestação ora se reporta, em sua íntegra.

2.3 Periculum in mora (urgência da medida)

Excelência, entende o MPF que as diligências representadas (prisões e buscas) são urgentes. Embora os investigados já saibam dos fatos, é fato que, respaldado por experiências recentes nesta e noutras investigações, é sempre possível encontrar ainda algum elemento informativo útil a subsidiar a persecução criminal.

E se há essa possibilidade, a sociedade não pode ficar impedida de esgotar as tentativas de elucidação completa dos fatos.

Com efeito, o caso dos autos não é o de uma criminalidade comum. Pelo contrário. É de criminalidade sofisticada, técnica, poderosa. Combatê-la é missão tão difícil quanto imprescindível e sua materialização se dará pela busca e análise de detalhes, de pequenas informações que, contextualizadas, embasarão uma eventual pretensão acusatória em juízo.

E são justamente esses detalhes que a autoridade policial buscará. Assim, papeis, documentos, arquivos de computadores, verificação da data de criação e modificação desses arquivos, apagamentos de arquivos virtuais são algumas das fontes de detalhes possivelmente úteis à PF e ao MPF. E, como se disse, se há possibilidade, há esperança da sociedade. Se há esperança, a busca dela se impõe.

Se indeferidas as medidas, a sociedade enfrentará dificuldade na busca responsabilização criminal dos envolvidos.

2.3. Proporcionalidade das medidas cautelares representadas

A prisão temporária possui previsão legal e não há declaração de inconstitucionalidade quanto ao seu cabimento.

Logo, a pretensão da Polícia Federal durará estritamente o tempo necessário e se justifica ante o interesse da sociedade em ver fatos tão graves esclarecidos.

Finalmente, as oitivas em datas diferentes permitiram aos investigados ainda não ouvidos conhecer o que já disseram os já inquiridos, permitindo-lhes criar versões, destruir provas e fabricar outras.

Repita-se: o presente caso trata de criminalidade apurada, técnica, culta e muito bem assistida.

Forte em tais razões, entende o MPF que o caso é realmente de autorização das prisões temporárias e buscas e apreensões.

No mesmo sentido, a suspensão do exercício da função pública dos investigados é a medida que se impõe, por cautela e para evitar que usem seus cargos para tumultuar as investigações.

3. Do necessário deferimento das medidas cautelares pleiteadas pela Autoridade Policial

Diante de todo o exposto, vê-se de modo claro a coexistência dos requisitos legalmente estabelecidos para a realização das medidas invasivas requisitadas pela Autoridade Policial, em relação a todos os agentes por ela citados.

Na espécie, a realização de buscas e apreensões e conduções coercitivas revelam-se medidas necessárias e úteis ao aprofundamento dos fatos supostamente criminosos narrados no tópico 2 da presente manifestação.

A partir de tais medidas, poder-se-á buscar documentos e dados referentes à obstrução de justiça, bem como inquirir os envolvidos acerca de sua versão dos fatos, sem que tais relatos sejam influenciados por tratativas prévias, realizadas entre os envolvidos.

Logo, é imperioso o deferimento de todas as medidas investigativas solicitadas pela autoridade policial, em representação inaugural.

4. Conclusão e Pedidos

Diante de todo o exposto, o MPF encampa os fatos e fundamentos descritos na representação de fls. 03/65, e requer o deferimento dos pedidos de busca e prisões temporárias relativos aos agentes listados às fls. 63/65.

Requer-se, ainda, a adoção das seguintes medidas, em caso de deferimento do pleito ora formulado:

a) que seja franqueado, para fins de análise do material apreendido, o acesso a mídias de armazenamento (inclusive celulares, HD´s, pen drives apreendidos), apreendendo-se ou copiando-se os arquivos julgados úteis para esclarecimento dos fatos sob investigação;

b) que seja franqueado, na busca e análise de computador e de celular, o acesso a dados em nuvem;

c) a decretação de SIGILO ABSOLUTO nos autos, de maneira que somente possam manuseá-los membros do Ministério Público Federal, autoridades policiais e a equipe de servidores da Justiça Federal, nem constem informações sobre seu conteúdo ou sua vinculação com outros procedimentos na capa dos autos ou nos sistemas informáticos da Justiça Federal (Resolução nº 589/2007 do Conselho da Justiça Federal);

d) a inclusão nos mandados, ad cautelam, de ordem expressa para arrombamento de portas e cofres, na hipótese de resistência ao seu cumprimento, bem como de busca pessoal nos presentes, caso haja suspeita de que escondem elementos úteis à prova dos fatos;

e) a consignação expressa nos mandados de ordem para que a Polícia Federal, por ocasião de seu cumprimento, se abstenha de:

d.1) informar aos familiares dos alvos qualquer dado sobre a natureza, o objeto ou a finalidade das diligências, na medida do possível;

d.2) valer-se de qualquer expediente vexatório ou indiscreto, caso venha a ser realizada alguma prisão em flagrante.

Deverá, também, antes da eventual execução dos mandados, atestar se os endereços informados na presente manifestação, bem como na representação de fls. 03/65, efetivamente pertencem aos requeridos.

Brasília, 20 de outubro de 2016

Frederico Paiva
Procurador da República”

Fonte: Congresso em foco

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