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Negligência do poder público e banalização da sociedade

Quando a violência sexual torna-se algo usual, normalizada dentro de uma sociedade, podemos usar o

Sábado - 09/07/2016 às 14:07



Foto: Divulgação Não ao estupro.
Não ao estupro.
Quando a violência sexual torna-se algo usual, normalizada dentro de uma sociedade, podemos usar o termo cultura do estupro para definir tal abuso. A tolerância do poder público, a misoginia do macho como valor do patriarcado e a própria banalização da sociedade, acabam incentivando ainda mais as atitudes violentas contra as mulheres.

Entre os exemplos de comportamentos associados à cultura do estupro estão a culpabilização da vítima, a sexualização da mulher como objeto e a banalização da violência. O uso de estupro como uma expressão da masculinidade, define a mulher como conceito de propriedade, e como um mecanismo de controle social para mantê-la na linha dos padrões machistas, ainda vigentes.

No Brasil. a cultura do estupro descende da visão naturalizada dele, desde a colônia, sendo inclusive responsável pela formação da mestiçagem brasileira. Este foi praticadocomo um direito divino, por portugueses contra índias e pelos senhores de escravos contra as negras. Perdurado nesse padrão ao longo de séculos, foi abolido ainda que só oficialmente pela Lei Aurea em 1888.

O estupro nos moldes colonial teve como base a cultura nacional, onde a violência sexual é romantizada e a desigualdade é ”erotizada”, impingindo a relação subordinada das mulheres com seus senhores fulcro da propalada democracia racial brasileira. O crime de estupro está previsto no artigo 213 do Código Penal Brasileiro. A lei brasileira de 2009 considera estupro qualquer ato libidinoso contra a vontade da vítima ou contra alguém que, por qualquer motivo, não pode oferecer resistência. Não importam as circunstâncias, se foi contra a vontade própria da pessoa ou ela está desacordada, é crime. Antes, o ato só era caracterizado quando havia conjunção carnal com violência ou grave ameaça.

O estupro coletivo é a violência sexual cometida por mais de um agressor – crime praticado desde tempos imemoriais, usual em períodos de guerra e frequentemente em sociedades contemporâneas. A semelhança entre o estupro colonial e o estupro coletivo é a ideologia patriarcal traduzida em sentimento de propriedade privada do homem que naturaliza e banaliza o ato sexual não consentido pela mulher. Em síntese, a grande “lógica” é que homens estupram em nome da sua masculinidade, mulheres são estupradas em nome da sua feminilidade. A mulher, quando nega uma relação sexual, é vista como quem ‘provoca o pênis, mas, na hora H, não quer aceitá-lo’.

E é aí que aparece a culpabilização. As vítimas de estupro aprendem a se sentirem culpadas. “Alguma coisa elas fizeram pra merecer isso”, infelizmente, é o pensamento dominante. O aumento de denúncias de estupro coletivo coloca o Brasil diante de uma triste realidade. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. Em 2015, o país teve ao menos 47.646 estupros. Contudo, esse número deve ser muito maior, já que o estupro figura entre os crimes menos notificados devido ao constrangimento enfrentado pelas mulheres vítimas.

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em março/2015, revela que 88,5% das vítimas desse tipo de violência eram do sexo feminino, 70% das vítimas eram crianças e adolescentes e mais da metade tinha menos de 13 anos. Um dos fatos brutais ganhou repercussão na mídia internacional nos últimos dias, após uma jovem de apenas 16 anos ter sido estuprada por 33 homens (monstros) no Rio de Janeiro. Os autores postaram vídeos nas redes sociais da brutalidade cometida com a adolescente e apenas quatro deles foram identificados pelas autoridades que investigam o caso. Por questionamentos da família e pressão de grupos de mulheres, houve desligamento do delegado que investigava o fato por ter constrangido a adolescente (postura coerente com as práticas machistas e condescendentes do poder público).

A adolescente e sua família por ameaças de morte foram incluídas no Programa de Proteção ás vítimas, ou seja, não cometeram crime, mas estão foragidas de seus lares e sentenciadas por parcela da sociedade conservadora. Esse fato que chocou o mundo não é isolado. Tem ocorrido de forma semelhante em diversos estados. No Piauí, entre maio e junho, no intervalo de 30 dias, foram três ocorrências de estupro coletivo. E eles ocorreram cerca de um ano depois de um caso de extrema crueldade quando quatro jovens, na cidade de Castelo do Piauí, foram estupradas, espancadas e jogadas de um penhasco (por homens monstros).

Uma delas não resistiu aos ferimentos e veio a óbito. Em 2012, outro caso de extrema violência coletiva contra mulheres, na Paraíba, também chocou o Brasil, Sete mulheres foram estupradas coletivamente em queimadas, por 10 homens (monstros) durante uma festa de casamento. Duas delas foram assassinadas. Recentemente, no município de Itamaraju - extremo Sul da Bahia -, uma menina de 11 anos engravidou após ser estuprada pelo padrasto. Somente nos três primeiros meses de 2016, a Bahia registrou 576 casos de estupro, segundo dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA). O maior número de ocorrências foi em Salvador, que contabilizou 110 casos.

No ano passado, o estado teve, ao todo, 2.549 ocorrências. Na semana em que foi noticiado o estupro coletivo dessa adolescente, o ministro interino da Educação, Mendonça Filho (DEM), recebeu em seu gabinete Alexandre Frota, ator que fez apologia ao crime de estupro em televisão aberta. O líder do governo golpista na Câmara, deputado André Moura (PSC-SE), é um dos autores do projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que dificulta a interrupção da gravidez para mulheres vítimas de abuso sexual. O texto aprovado é de autoria do presidente afastado da Câmara dos Deputados por crime de corrupção Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas contou com a assinatura de outros 13 deputados. Foram os homens que definiram sobre um tema de impacto na saúde das mulheres, mas nenhuma mulher participou do debate e nem da autoria do texto. Esse projeto de lei prevê mudanças bruscas na forma como deve ser realizado o atendimento às mulheres vítimas de estupro.

Fonte: PT-PI

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