Mutirão propõe salvar Sistema Cantareira

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Sem água

Sem água Foto: reprodução

A chance de um colapso no abastecimento da região metropolitana de São Paulo reascendeu o ativismo ecológico e colocou em movimento um ousado plano para a superação da crise hídrica: a recuperação do Sistema Cantareira por meio de um programa de cultivo e produção de água envolvendo os 12 municípios de São Paulo e Minas Gerais que integram a bacia hidrográfica da região.

Os termos cultivo e produção podem parecer estranhos ao senso comum, mas é disso mesmo que se trata. Baseado em experiências bem sucedidas, o plano prevê construção de terraços, pequenas barragens e melhoria do solo em propriedades rurais que produzem alimentos e um intenso e persistente reflorestamento com espécies nativas em áreas de proteção ambiental. Nos dois casos, a finalidade é criar barreiras para permitir evitar o escoamento e forçar a infiltração das águas das chuvas em locais que podem originar nascentes.

A bacia do Cantareira, com uma superfície de dois mil quilômetros quadrados entre São Paulo e Minas Gerais, perdeu mais de 70% de sua cobertura vegetal original. Em municípios da região metropolitana de São Paulo, como Bragança Paulista, o que sobrou da Mata Atlântica não passa de 3%, o que torna o cenário desolador diante da discrepância entre o volume de água retirado e a baixa reposição dos reservatórios.

A recuperação das áreas degradadas, segundo os especialistas, tornaria o solo mais poroso – o chamado efeito esponja – e apto para absorver e reter as chuvas nos lençóis freáticos, de onde a água, em decorrência de rachaduras nas rochas, retorna à superfície em forma de nascentes, córregos, ribeirões e rios que abastecem as represas. É uma via de mão dupla entre a natureza e gestão sustentável.

“O que estamos vendo nos anúncios de ações emergenciais é uma pauta de obras, mas nada de conservação ambiental”, observa a arquiteta e urbanista Ana Flávia Badue, do Instituto Kairós, ONG que atua na conscientização da população sobre o consumo responsável da água e de alimentos.

As entidades envolvidas no projeto querem que os governos encampem um plano de infraestrutura verde, adotando como programa permanente as práticas de controle ambiental e recuperação de áreas degradadas, sem o que a população continuará cada vez mais penalizada a cada estiagem.

No final de janeiro, mais de duas dezenas de ONGs se reuniram em Bragança Paulista com prefeitos e lideranças para discutir em profundidade soluções cujo encaminhamento depende do apoio dos governadores Geraldo Alckmin e Fernando Pimentel. O documento retirado, uma carta subscrita por todas elas, tem o objetivo de pressionar os governadores do PSDB e PT e o governo federal para salvar o sistema Cantareira com ações perenes, voltadas para toda a bacia.

Emergencialmente, o plano prevê uma campanha de orientação clara à população sobre o uso da água, como já vem sendo feito pelas ONGs nas regiões mais pobres da capital paulista – onde ativistas ensinam, entre outras práticas, a construir cisternas para armazenar águas da chuva, que pode ser usada para suprir cerca de 50% da demanda doméstica. Mas são medidas paliativas. A solução definitiva passa pela recuperação dos mananciais e só é possível com a execução de um programa bem mais longo cujos resultados na produção de água poderiam aparecer dentro de três anos.

“Produzir água é criar condições para que as chuvas, em vez de irem embora com os sedimentos, se infiltrem no lençol freático e lá permaneçam como reserva”, diz o engenheiro agrônomo Henrique Bracale, da TNC, entidade internacional especializada em recuperação de áreas para produção de água. Segundo ele, a primeira medida é definir que medidas devem ser adotadas nos dois tipos de área que serão tratadas – a de proteção, através de reflorestamento, e a de produção de alimentos, com ações mecânicas para criar barreiras e controlar a acidez do solo.

Extrema

Um dos projetos mais bem sucedidos do mundo em conservação e produção de água está bem perto de São Paulo, a pouco mais de cem quilômetros e, por ironia, numa das cabeceiras que abastecem o sistema Cantareira. Trata-se de Extrema, no Sul de Minas, onde a gestão ambiental transformou o município em uma ilha de prosperidade em abastecimento de água farta e de qualidade, numa região em que a população dos municípios vizinhos, especialmente os que estão mais próximos da capital paulista, sofre com a escassez e os cortes frequentes do sistema de abastecimento.

“Estamos colhendo o que plantamos”, diz o secretário de Meio Ambiente, o biólogo Paulo Henrique Pereira, que há 20 anos começou a executar o programa que recuperou o manancial e tornou mais férteis as nascentes do Rio Jaguari, responsável por cerca de 80% dos reservatórios da Cantareira.

O segredo, diz ele, é a criação de uma lei específica, gestão ambiental persistente e parceria com os entidades e produtores rurais. O programa de reflorestamento já restituiu 25% da cobertura original da região com o plantio diário de mais de mil mudas de diferentes espécies nativas. A meta é chegar a 2025 com 33% de cobertura original restituída. Atualmente mais de um milhão de mudas de árvores originais, uma variedade com 160 espécies, foram plantadas.

A Prefeitura já fechou 170 contratos com agricultores, aos quais repassou, em parcelas mensais, R$ 750 mil no ano passado. Em contrapartida, foram recuperados 7.300 hectares, reserva suficiente para enfrentar qualquer estiagem, fornecendo aos 33 mil habitantes do município a água que serpenteia o mesmo leito, mas chega a conta-gotas na região metropolitana de São Paulo.

“Tiramos a água do fio do rio”, diz Pereira. O projeto já rendeu um prêmio da ONU por práticas ambientais sustentáveis – entregue em março de 2013 em Dubai – e a elevação de Extrema como o município com melhores índices de qualidade de vida no Estado, conforme atestou o Instituto João Pinheiro, de Minas Gerais, que leva em conta 300 indicadores para formar o ranking. Extrema virou uma referência em sustentabilidade e endereço de gestores que querem aprender como se produz água com qualidade e quantidade.

“Há mais de 20 anos estamos tentando parceria com o governo de são Paulo e com a Sabesp, mas eles não demonstraram interesse. Nem nossos ofícios respondem”, cutuca Pereira, que pertence ao mesmo partido do governador Geraldo Alckmin, o PSDB, mas acha que a questão não é política. “Infelizmente eles preferiram ficar em cima do muro. O desafio é investir em gestão ambiental e deixar as ações com os municípios”, diz. Pereira está há duas décadas no cargo e o grupo tucano comanda a política local há 28 anos.

Fonte: IG

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