Cultura

Maria Bethânia foi talento e luz em noite de estreia em Lisboa

De alguma forma, talvez até mística, a cantora satisfez quase 3 mil pessoas que foram prestigiá-la no tradicional Coliseu dos Recreios, em Lisboa

Domingo, 22/10/2017 às 11:10



Foto: © Divulgação Maria Bethânia
Maria Bethânia

Como seria selecionar um repertório dentro de 52 anos de carreira, resumi-lo e colocá-lo em palco? A cantora Maria Bethânia conseguiu, de alguma forma, talvez até mística, satisfazer quase 3 mil pessoas que foram prestigiá-la na tradicional casa de espetáculos, Coliseu dos Recreios, em Lisboa, neste sábado (21). O show é o primeiro de duas apresentações na capital portuguesa - depois ela segue para o Porto, no norte de Portugal, para apresentação na próxima quarta-feira (25).

A liberdade em cantar e a gratidão presentes em sua obra foram as marcas do show denominado "Grandes Sucessos", já sem o maestro que a acompanhava, Wagner Tiso, agora com Túlio Mourão assumindo o posto. Incomum para aquela que costuma entrar em estúdio e fazer disco, saindo em turnê, normalmente de dois em dois anos, Bethânia reitera que ainda assim, "não para para olhar para trás".

Para ela, apesar de cantar Os Sucessos, o importante no espetáculo era mostrar "o que uma pessoa que tem 50 anos de carreira pensa hoje, do que ela sente hoje", conforme declarou ao jornal português Público. O show navegou dos orixás que a guiam e protegem, afinal, ela é "a menina dos olhos de Oyá", às homenagens aos grandes amigos músicos e compositores, uns ainda conosco, outros apenas nas canções em forma de poesia 'bethanesca', como no caso do músico Naná Vasconcelos, pernambucano, falecido no início de 2016.

Em uma belo tributo ao percussionista, Bethânia conseguiu emocionar um público 'exilado' e saudoso, tendo em vista a quantidade de brasileiros residentes em Portugal, ao puxar "Frevo nº2”. "Quando eu me lembro, o Recife tá longe. A saudade é tão grande que eu até me embaraço", ouvia-se em uníssono, mesmo a 3.652,17 km da capital pernambucana, fora do carnaval e em pleno mês de outubro. Naná foi e é grande e essa foi Bethânia, como enorme que é, ao não nos deixar esquecê-lo, pelo mundo afora.

O mesmo fez ao lembrar suas raízes e sua história no palco, como é de costume. Cantando o conterrâneo Dorival Caymmi ou mesmo os clássicos do irmão, Caetano Veloso "mestre do seu barco", citado nos tradicionais agradecimentos de "Samba da Bênção", de Vinicius de Moraes. Caetano também esteve no pot-pourri de "Reconvexo", por exemplo, intercalado com sambas de roda de Santo Amaro, cidade natal de ambos, no recôncavo Baiano.

Na continuidade do repertório, apesar de ser considerada uma das cânones da MPB, Bethânia pouco se acanha ao trazer musicas consideradas do povão, como a da dupla sertaneja Zezé de Camargo & Luciano, gritando que "É o amor que veio como um tiro certo no meu coração. Que derrubou a base forte da minha paixão. Que fez eu entender que a vida é n-a-d-a (falando pausadamente para ver se conseguimos compreender que a poesia em tudo está) sem você", ou mesmo 'namorar' o público, bem molinha, ao som de outra dupla sertaneja, Bruno e Marrone. Quebrar esse muro do que é ou não 'boa música' é uma das demonstrações mais claras de liberdade na seleção de repertório da cantora.

Portugal

"Se me perguntarem o que é minha pátria, direi não sei (..) Mas sei que minha pátria é a luz, o sal, a água (…)". A poesia, sempre presente no trabalho de Bethânia era e é o que ela usa para intercalar as canções, como quem anuncia e prepara para o que há de vir. Foi assim com a homenagem à Portugal. Sem deixar passar, Bethânia puxou as típicas palmas de acompanhamento do fado corrido (mais alegre, dançante), ao cantar a maior fadista de todos os tempos e pioneira do fado moderno, Amália Rodrigues, com 'Meu amor é marinheiro', algo que já vem fazendo desde que incluiu a canção no disco "Abraçar e Agradecer", lançado em 2016.

Outro momento forte foi quando Bethânia resgatou "Balada de Gisberta", composta pelo português Pedro Abrunhosa e que a cantora também já havia incluído no disco "Amor, Festa e Devoção", de 2007. A música conta a história de Gisberta, imigrante ilegal brasileira, transexual, prostituta, sem-teto e soropositiva. Seu assassinato causou um profundo impacto na sociedade portuguesa, pela violência sofrida pela vítima. O fato de Bethânia trazê-la ali, naquele palco, é uma forma de mostrar que não esquecemos as dores causadas por quem amamos, mesmo quando somos da mesma família.

Final

Maria Bethânia se permite encerrar o show, antes do bis, com a canção francesa "Non, Je Ne Regrette Rien" (de Charles Dumont e Michel Vaucaire, famosa com Edith Piaf), que, didaticamente, traduz para o público em forma de poesia.

Para encerrar o bis, como não deixaria de ser, a cantora cantou seu amigo e um dos grandes compositores brasileiros, Gonzaguinha (1945-1991), com "O Que É, O Que É?" "Mas e a vida? Ela é maravilha ou é sofrimento? Ela é alegria ou lamento? O que é? O que é, meu irmão?" .

Brasileiros e portugueses agradecem a belíssima noite que nos foi presenteada. Bethânia não decepciona nunca. Foi brilho e luz.

Fonte: Notícias ao Munuto

Siga nas redes sociais

Compartilhe essa notícia: