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Raiva coletiva é sintoma de um país em transe

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Sexta - 10/07/2015 às 19:07



 Recentemente um amigo enredou-se em um bate-boca durante uma festa de casamento por conta de assuntos políticos. Coisa comum no Brasil atual (pelo menos desde junho de 2013). Não raramente esses bate-bocas ou agressões verbais pura e simplesmente se disseminam pelas redes sociais, especialmente quando figuras públicas são o alvo.
Mas este não é o caso do meu amigo, que não é pessoa conhecida. Voltando à historinha: conversando com seu interlocutor, que acabara de conhecer e trabalhava no ramo de mineração, comentou que o setor de minérios foi muito bem no governo Lula por conta do elevado preço das chamadas commodities e das exportações para a China (foram tempos bons para empresas como a Vale, entre outras).
A conversa vinha amigável, mas bastou a citação à palavra “Lula” para que uma terceira pessoa que estava por perto se intrometesse na conversa aos berros de “vagabundo! Vagabundo, esse Lula é um vagabundo!”. Dali em diante a conversa descambou para o destempero e teses estapafúrdias sobre o Bolsa Família, Cuba e todo o rol de mistificações e desinformações que costumam compor esse tipo de não-diálogo.
Uma coisa é quando isto acontece nas redes sociais, espaço onde a agressividade é semeada por pessoas protegidas pelo anonimato, dando vazão a seus instintos. Outra, quando a raiva transborda para a chamada vida real. Felizmente a situação vivida pelo meu amigo foi branda, sem maiores consequências além de um sábado à noite que ficou subitamente cansativo.
Será este episódio o sinal de um país com os nervos à flor da pele?
Perguntei isto a um amigo sueco, jornalista há muitos anos no Brasil. Quem sabe alguém estrangeiro não teria uma visão mais equilibrada disso tudo?
Na sua opinião, muitas pessoas que nunca gostaram de Lula e do PT, nem de suas políticas e retóricas, particularmente no que tange aos mais pobres, estão agora, depois de uma eleição rachada ao meio e da crise político-econômica instalada, colocando suas raivas acumuladas (desde 2002…) para fora E fez uma analogia com o futebol: é como um torcedor do Real Madri que sente a possibilidade de ganhar pela primeira vez depois de perder para o Barcelona seguidos campeonatos.
Por esta versão, não haveria um conflito radical de interesses (econômicos) a exacerbar os sentimentos. Por outro lado, parece claro que há no Brasil, pelo menos desde 2013, uma inquietação social que se manifesta de diferentes formas, em diferentes lugares e com diferentes atores. Não é uma questão relativa apenas ao atual governo ou ao PT, mas mais geral, que engloba os “políticos”, as relações cotidianas de gênero e raças, os balanceamentos da vida do dia a dia – um país em transe (não se sabe para onde).
Mas seja como for, o ódio está no ar. A vontade de apontar o dedo. Insultar. Culpar. Tem-se a impressão de que, com a política na UTI, as pessoas entregam-se ao confronto (quase) corporal. A sensação é de que estamos em uma guerra de todos contra todos. Como se não houvesse intermediação possível entre o sujeito e o mundo hostil que o cerca, como se apenas a ação direta individual resolvesse os problemas. Isto se reflete certamente nas intolerâncias que vemos por aí e das quais a agressividade vivenciada por meu amigo também faz de algum modo parte.
É como se houvesse uma raiva coletiva que pudesse ser extravasada apenas individualmente – e tornada coletiva via redes sociais. Este é o risco da crise brasileira atual: que esta não encontre canais políticos e institucionais para se expressar. Toda vez que vejo pessoas se engalfinhando (xingando, insultando etc) nas ruas ou nas redes sociais, penso nisso. É o que dá calafrios.

Por Rogério jordão

Rogério Pacheco Jordão, 46, é jornalista e sócio-diretor da Fato Pesquisa e Jornalismo (FPJ), empresa de consultoria nas áreas de pesquisa e editorial.Mestre em política comparada pela London School of Economics (LSE), escreveu o livro ‘Crime (quase) Perfeito - corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil’. Paulistano, mora no Rio de Janeiro há mais de década, onde é pai de duas crianças.

Fonte: Yahoo

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