Ciência & Tecnologia

Genética inocenta canadense acusado erroneamente de ser Paciente Zero da Aids nos EUA

Na verdade, mostraram os exames, ele foi mais uma entre as milhares de vítimas infectadas pela doença na década de 1970

Quinta, 27/10/2016 às 16:10



Foto: Netnature Aids
Aids

Porém, a ciência mostrou que não foi bem assim. Um estudo genético publicado na revista Nature limpou a reputação de Dugas, que ficou conhecido como o "Paciente Zero" de Aids.

Na verdade, mostraram os exames, ele foi mais uma entre as milhares de vítimas infectadas pela doença na década de 1970.

O erro se originou de um mal-entendido que confundiu a letra O com o numeral zero. Um "paciente ó" era alguém infectado com vírus HIV de fora do Estado da Califórnia ("out-of-California", na sigla em inglês utilizada pela entidade Centros de Controle da Doença dos EUA).

Com o tempo, porém, a letra foi sendo confundida com o numeral, e Dugas passou a ser conhecido como o Paciente Zero - supostamente o primeiro a contrair a doença, no jargão médico.

"Gaetan Dugas foi um dos pacientes mais demonizados da história e um dos muitos indivíduos e grupos apontados como responsáveis por espalhar a epidemia intencionalmente", disse Richard McKay, historiador da ciência da Universidade de Cambridge.

Dugas era homossexual e comissário de bordo da companhia Air Canada. Ele morreu em 1984 em decorrência de complicações por causa da Aids.

A expressão "Paciente Zero" é utilizada em referência ao histórico de algumas doenças - por exemplo, em relação ao primeiro caso do surto de Ebola no continente africano.

Mas no caso da Aids - a síndrome da imunodeficiência adquirida -, a disseminação ocorreu de maneira diferente.

Análises de sangue

A Aids começou a ficar conhecida em 1981, quando sintomas até então incomuns começaram a aparecer em homens gays. Mas os investigadores do estudo conseguiram ir além e analisaram amostras de sangue armazenadas como provas de hepatite na década de 1970 e concluíram que algumas delas já continham HIV.

A equipe da Universidade do Arizona desenvolveu um novo método para reconstruir o código genético do vírus nesses pacientes. Depois de avaliar 2 mil amostras de Nova York e São Francisco, os cientistas conseguiram achar oito códigos genéticos completos do HIV.

Isso deu a eles a informação de que precisavam para construir uma árvore genealógica do HIV e descobrir quando ele chegou aos EUA.

"As amostras apresentam tamanha diversidade genética que não é possível que elas tenham origem no final da década de 1970", disse Michael Worobey, um dos pesquisadores do estudo.

"Podemos considerar as datas mais precisas sobre a origem da epidemia nos Estados Unidos por volta de 1970 e 1971", acrescenta.

Os cientistas também avaliaram o código genético do vírus da imunodeficiência humana tirado do sangue de Dugas - e o resultado é que ele não é a origem da epidemia nos Estados Unidos.

Dugas foi identificado como "Paciente Zero" no livro "And the Band Played on" ("E a vida continua", em tradução livre).

Pontos de disseminação

O estudo também explorou o papel chave de Nova York na propagação da doença.

A cidade de Kinshasa, na República Democrática do Congo, foi indicada como a cidade em que a pandemia mundial teve início. Dali, expandiu-se para o Caribe e os Estados Unidos por volta de 1970.

"Na cidade de Nova York, o vírus encontrou uma população que era como lenha seca, fazendo com que a epidemia se espalhasse muito rápido, infectando uma grande quantidade de gente e chamando a atenção do mundo pela primeira vez", disse Worobey.

"Da mesma forma como Kinshasa foi um lugar crítico para a pandemia, a cidade de Nova York também o foi, porque o vírus chegou à Costa Oeste e depois à Europa Ocidental, Austrália, Japão, América Latina e outros lugares", acrescentou.

Segundo Oliver Pybus, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Oxford, "esses novos dados ajudam a confirmar as origens do HIV nos Estados Unidos".

"O 'Paciente Zero' se tornou um tema de discussão relacionado às origens da Aids, porém, por mais que a narrativa pareça atraente, não tem nenhuma base científica", diz o cientista.

"É realmente lamentável que essa pessoa tenha sido identificada assim."

Fonte: BBC Brasil

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