Saúde

ESPECIAL: Guardiões da Vida e Doadores de Órgãos no PI

Segunda - 26/09/2016 às 13:09



Em alusão ao Dia Nacional do Doador de Órgãos e Tecidos, comemorado em 27 de setembro, equipes de profissionais da Central Estadual de Transplantes, situada nas dependências do Hospital Getúlio Vargas em Teresina, está engajada na XVI Campanha Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes com a temática “Viver é uma grande conquista. Ajude mais pessoas a serem vencedoras”.

Segundo a coordenadora da Central, médica nefrologista Lourdes Veras, a campanha consiste em palestras de conscientização em instituições de saúde e aprendizagem (hospitais, clínicas e universidades), panfletagem em avenidas, mobilizações internas no HGV e intensa divulgação nos meios de comunicação, e, principalmente, a abordagem dos familiares que possuem parentes em UTIs com morte encefálica. Esta última atividade é permanente, segundo a médica.

A conscientização dos familiares de possíveis doadores acontece, principalmente, no Hospital de Urgência de Teresina (HUT) e IML. O primeiro, porque tem muitas pessoas nas UTIs com traumatismos ocasionados por acidentes de trânsito. No segundo, já foram levadas com a morte súbita, com os demais órgãos preservados para possíveis doações. “Nas instituições de saúde, as palestras junto aos profissionais têm o objetivo de torná-los multiplicadores da ideia, sobre a importância do ato de doar órgãos e tecidos e preservar vidas humanas”, destacou.

ABORDAGEM JUNTO A FAMILIARES

Segundo Lourdes Veras, cada campanha é um novo desafio. “A abordagem do familiar é uma tarefa difícil porque acontece em um momento de dor e de angústia, que é a perda do seu ente querido. Estes minutos são decisivos para o convencimento dos parentes, para que eles possam entender que um simples gesto de humanidade e solidariedade, a autorização para a captação de órgãos, irá salvar a vida de muitas outras pessoas que estão em uma fila enorme na espera por um órgão, e dar uma nova chance de continuar vivendo”, disse a médica.

Ela destacou que não basta o pretenso doador manifestar, ainda em vida, a vontade de doar seus órgãos, mesmo que tenha escrito em um documento. “A família é a única soberana para autorizar a retirada do órgão. É claro que a intenção de doar vai influenciar bastante na decisão familiar, daí também ser importante a pessoa manifestar em vida a sua intenção nesse sentido”, destacou.

Ela disse que a desinformação, que gera preconceito, é responsável ainda pelo desperdício de muitos órgãos saudáveis, que deveriam estar salvando vidas de muitas pacientes que alongam as filas de espera tanto em nível estadual como nacional.

A HEMODIÁLISE PARA OS RENAIS CRÔNICOS

A coordenadora da Central de Transplantes do Piauí explica que os rins, por serem  duplos, são os únicos órgãos que dão a possibilidade da doação intervivos (entre vivos) porque pode-se viver com apenas um deles e o outro ser doado.
“É o único órgão que proporciona mais tempo aos pacientes na fila de espera por causa das terapias renais (hemodiálises), com exceção de pacientes especiais, que não oferecem “acesso” (fístolas) para interligar a máquina de diálise às veias para o processo de filtração do sangue”, disse.

 Fístola é a união entre duas veias do braço, uma venosa (que leva o sangue para o coração) e outra arterial ( que traz o sangue de volta para o corpo), feita por um médico especializado, um cirurgião vascular. No Piauí, apenas três profissionais fazem este procedimento, segundo informações. Quando o corpo do paciente não aceita fístola, por falta de veias adequadas, é necessário o uso de um catéter provisório nas veias do pescoço (jugular), ou permanente (permicat) que também vai pelas veias do pescoço até o coração, com as pontas saindo no peitoral, porque tem menos riscos de infecção por contaminação do que na região do pescoço do pacente..

A máquina apenas melhora a qualidade de vida deles, mas não substitui a total função renal, que é filtrar (retirando as toxinas e líquidos do sangue) e controlar as taxas, como por exemplo pressão arterial, fósforo, colesterol, creatinina, saís minerais e proteínas, dentre outras. O transplante, segundo ela, também não substitui 100% a função renal, mas melhora muito mais que a hemodiálise.

Segundo os médicos, embora seja uma terapia para melhorar a qualidade de vida dos doentes, é um procedimento bastante desgastante, que traz consequências com o passar do tempo. A durabilidade da vida depende de cada organismo, modo de vida, vícios pregressos como ex fumantes, cumprimento da dieta alimentar, acometimento de outras doenças como o diabetes e hipertensão e outras patologias.

DIFERENÇA ENTRE DOADOR VIVO E DOADOR CADÁVER

A doação entre vivos, segundo a médica Lourdes Veras, só é permitida entre parentes, na linha reta ou lateral, até o terceiro grau. Ou seja, pais e filhos, irmãos, avós e netos. Tios e primos já não podem. Neste processo de doação e recepção de órgãos, como em todos os demais, entra os critérios de idade e saúde saudável para todos os envolvidos. "Depois de uma certa idade, geralmente após os 70 anos não é mais permitido transplante e determinados tipos de cirurgias", me disse um médico em uma conversa informal.

A doação por cadáver, é o mais procurada e de maior quantidade de procedimentos já realizados, segunda a coordenadora da Central de Transplantes. O processo consiste na retirada do órgão logo após a morte cerebral do doador devidamente autorizada pela família. Segundo informações colhidas no HGV, são dois procedimentos paralelos no Centro Cirúrgico, o doador em uma sala e o receptor em outra. O órgão transplantado precisa de alguns dias para começar a funcionar. Dependendo do caso, os rins já saem do hospital funcionando no corpo do paciente receptor", disse um profissional.

CUIDADOS E RISCOS PARA O TRANSPLANTADO E O 'FANTASMA' DA REJEIÇÃO

O risco para o transplantado ainda é o “fantasma” da rejeição, mesmo com os avanças da medicina com os medicamentos para combatê-la. São os chamados “imunossupressores”, como o próprio nome sugere têm a função de suprimir a imunidade do corpo no combate a corpos estranhos (função dos anticorpos) para evitar a rejeição dos rins. “Porém, com a imunidade baixa, o paciente tem grande risco de contrair infecções, que por sua vez pode ocasionar a morte”, disse.

Segundo o médico nefrologista, Francisco Santana, há mais de 30 anos atuando na área, e com base em sua experiência, o risco para o paciente de transplante renal não é o procedimento em si. “A gente nunca ouviu dizer que alguém morreu por causa do transplante de rins, porém, os casos de mortes constatadas foram por infecções contraídas no pós-operatório ou por esqueceram de tomar os medicamentos contra rejeição. Por isso são necessários os cuidados devidos para evitar contaminação após a operação, como habitar em locar adequado, usar máscaras nos locais de riscos e não esquecer os medicamentos é fundamental", disse.

FILA DE ESPERA NO PIAUÍ

Segundo a Dra. Lourdes, no estado do Piauí a maior fila de espera é para as córneas, que gira em torna de 350 pacientes. E seguida vem os rins com mais ou menos umas 300 pessoas. “Esses números variam a todo instante. No caso dos renais, existem muitos pacientes que embora façam as terapias intensivas, muitos ainda não se inscreveram na fila”, destacou.

Segundo informações de uma clínica de terapia renal de Teresina, entre os inscritos na espera, existem os pacientes com prioridade, em caráter de urgência. Uma delas, são aqueles que cujo corpo não oferece acesso a fístolas, que podem ter a vida abreviada mais rapidamente. Existem os pacientes infantis que tem toda uma vida pela frente e precisam prosseguir.

A urgência, pode ser atendida por doadores de qualquer lugar do Brasil em relação ao Piauí e vice-versa. "Se temos um paciente renal na fila de espera piauiense, mas ainda não surgiu doador compatível, ele é imediatamente inserido na fila nacional para receber a doação de qualquer lugar do país", explicou.

UM CORPO PODE SALVAR VÁRIAS VIDAS

De um único cadáver pode ser retirado rins, fígado, coração, pâncreas, pele, ossos, córneas, medula, e tecidos em geral. Os que podem ser captados e transplantados no Piauí ficam para os pacientes daqui, como córneas e rins. Os demais, cujo procedimento de transplantes ainda não são realizados por aqui, são incluídos na fila nacional (Sistema Nacional de Doação de Órgãos) e enviados para outros estados para atender as “urgências” que tem prioridade, e também devido ao prazo de validade do órgão fora do corpo, que varia para cada tipo.

Segundo Veras, dentre os entraves por parte de familiares está a desconfiança sobre a transparência no processo de doação para captação e transplantes. “Muitos familiares questionam o processo. Será se estes órgãos serão mesmo doados? Como a gente tem certeza disso? Ouve-se muito sobre venda de órgãos...”, disse, ressaltando que existe um trabalho intenso de divulgação nos meios de comunicação. Uma enfermeira disse à nossa reportagem que alguns familiares não permitem que se retire as córneas do corpo do doador porque acham que fica feia a aparência do cadáver mesmo sabendo que, uma vez sepultado, não terá mais serventia.

Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde do Piauí, desde a sua implantação, em 25 de outubro de 2000 até agora, a Central Estadual de Transplantes realizou 2.255 procedimentos, incluindo coração, rim e córnea, além das retiradas de fígados que foram disponibilizados para serem transplantados em outros estados do Brasil pelo sistema nacional.

Somente nos seis primeiros meses deste ano, foram realizados 87 transplantes, com índice de 2,5 doadores por milhão de população. Rins foram 14 transplantes.

Segundo o Ministério da Saúde, atualmente, 89% dos transplantes de órgãos sólidos são realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tornando o Brasil uma referência mundial no campo dos transplantes e maior sistema público do mundo.

CADASTRO NACIONAL DE TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS

Os nomes dos possíveis doadores são incluídos no Cadastro Nacional de Transplantes de Órgãos. “O transplante de um órgão atende, primeiramente, as necessidades em nível de Brasil, através deste cadastro. Depois é que passamos a atender as necessidades locais”, explicou.

VIDA ÚTIL DOS ÓRGÃOS E A COMPATIBILIDADE ENTRE DOADORES E RECEPTORES

Lurdes Veras explica que a vida útil dos órgãos é muito pequena. A do coração, por exemplo, é de apenas quatro horas após ser extraído do corpo doador. É por isso que na fila de espera por órgãos, o do coração é um das menores. Em todo o Brasil, a quantidade de transplantes deste órgão gira em torno de 20, incluindo rede pública e privada de saúde.

Lembrando transplantes de pessoas famosos como o do ator Norton Nascimento e do humorista Mussum, do quarteto “Os Trapalhões”.
Perguntei por que os transplantados de coração geralmente duram pouco tempo e morrem em conseqüência do procedimento. Lurdes Veras explicou que, embora o doador seja compatível com o receptor do órgão, e tomem medicamentos para que o novo coração não seja rejeitado, não existe, fora da família, doador 100% compatível com o receptor. 
“Somente os gêmeos univitelinos são 100% compatíveis, pois possuem o mesmo DNA porque são provenientes de uma mesma célula. Nos demais casos isso não é possível”, explicou, destacando que isso é válido para qualquer tipo de órgão humano.

Com relação à córnea, Lurdes Veras explicou que a vida útil deste órgão, assim que é extraído do doador, é de apenas 14 dias. Ele é preservado em um frasco contendo uma espécie de gel especial com os nutrientes que mantêm as células vivas. Ela explicou que o transplante de córnea é mais criterioso do que vários outros órgãos do corpo humano, pois existe a compatibilidade com a idade. “Um idoso de 70 anos, por exemplo, não pode doar um córnea para um adolescente de 17 anos”, disse, explicando ainda que a córnea do idoso já perdeu células e propriedades vitais para a visão de um jovem. 
Os rins também são órgãos bastante sensíveis, segundo explicou a coordenadora da Central de Transplantes. A vida útil dos rins é de apenas 24 horas após serem retirados do corpo do doador. Esse órgão pode ser conservado no gelo.

TRANSPLANTES NO PIAUÍ

Ela contou que apenas transplantes de rins e córneas estão sendo feitos por enquanto no Centro Cirúrgico do Hospital Getúlio Vargas. Já os transplantes de coração ainda não estão sendo realizados por falta de profissionais médicos especializados neste tipo de transplante tanto na rede pública como particular. Ela explicou que uma equipe cirúrgica para transplantar coração conta com dois cirurgiões cardíacos, dois anestesistas especializados, e dois cirurgiões vasculares.
Transplantes de fígado também ainda não foram realizados no Piauí, segundo Lurdes Veras, e os casos urgentes que demandam transplantes são enviados para Fortaleza, no estado do Ceará.

CADASTRO DE DOADORES DE ÓRGÃOS

Lurdes Veras disse que além de córnea, fígado, rins e coração, a Central de Transplantes também faz cadastro de doadores de pele, medula óssea e outros tecidos.
No caso da medula, as pessoas interessadas se inscrevem em um cadastro que é feito paralelamente com as campanhas de doação de sangue do Centro de Hemoterapia e Hematologia do Piauí (Hemopi), que acontecem frequentemente em Teresina e no Interior. Após coletado é feito exame de DNA no laboratório da Universidade Federal do Piauí (UFPI), e depois enviado para o Rio de Janeiro para outros exames. As chances de se encontrar um doador compatível com o receptor, fora da família, é deu 1 para cem mil.

DIA NACIONAL DO DOADOR DE ÓRGÃO

Para enfatizar a importância da doação, uma programação começa nesta segunda-feira, 26 de setembro. incluindo uma Missa em Ação de Graças em homenagem a todos os doadores, às 8h, na Capela do Hospital Getúlio Vargas. Além disso, no dia 27, haverá um passeio ciclístico, na Avenida Nossa Senhora de Fátima, a partir das 19h.

As atividades da Campanha se iniciam segunda-feira (26) e seguem até o dia 30.

Fonte: por Edgar Rocha

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