Donald Trump herda de Obama ciberguerra secreta contra mísseis da Coreia do Norte

Os defensores dessas iniciativas dizem acreditar que os ataques dirigidos deram às defesas antimísseis dos EUA um novo poder


Trump

Trump Foto: El País Brasil

Três anos atrás, o presidente Barack Obama ordenou que autoridades do Pentágono intensificassem os ataques cibernéticos contra o programa de mísseis da Coreia do Norte, na esperança de sabotar os testes de lançamento em seus segundos iniciais.

Pouco depois, um grande número de foguetes norte-coreanos começou a explodir, desviar-se da rota, desintegrar-se em pleno ar e mergulhar no oceano. Os defensores dessas iniciativas dizem acreditar que os ataques dirigidos deram às defesas antimísseis dos EUA um novo poder e retardaram por vários anos o dia em que a Coreia do Norte poderá ameaçar cidades americanas com armas nucleares lançadas em mísseis balísticos intercontinentais.

Mas outros especialistas ficaram cada vez mais desconfiados da nova abordagem, afirmando que erros de fabricação, participantes contrariados e mera incompetência também podem fazer os mísseis se perderem. Nos últimos oito meses, comentam eles, a Coreia do Norte conseguiu lançar com êxito três foguetes de médio alcance.

E Kim Jong-un, o líder norte-coreano, hoje afirma que seu país está "na etapa final dos preparativos" para o teste inaugural de seus mísseis intercontinentais --o que talvez seja um blefe, talvez não.

Uma análise do esforço de interferência do Pentágono, com base em entrevistas com autoridades dos governos Trump e Obama, assim como uma revisão de extensos mas obscuros registros públicos, revelaram que os EUA ainda não têm a capacidade de efetivamente se contrapor aos programas nuclear e de mísseis da Coreia do Norte.

Essas ameaças são muito mais resistentes do que muitos especialistas acreditavam, como descobriu a reportagem de "The New York Times", e representam um tal perigo que Obama, ao deixar o cargo, advertiu o presidente Donald Trump que provavelmente seriam o problema mais urgente que ele teria pela frente.

Trump indicou sua preferência por reagir com agressividade à ameaça norte-coreana. Em uma postagem no Twitter depois que Kim emitiu sua primeira advertência, no dia de Ano Novo, o presidente escreveu: "Isso não vai acontecer!" Mas, como Obama antes dele, Trump está descobrindo rapidamente que deve escolher entre opções altamente imperfeitas.

Ele poderia ordenar a escalada do esforço de guerra eletrônica e cibernética do Pentágono, mas isso não dá garantias. Ele poderia iniciar negociações com o Norte para congelar seus programas nuclear e de mísseis, mas isso deixaria uma ameaça no ar. Poderia preparar-se para ataques diretos de mísseis aos locais de lançamento, o que Obama também considerou, mas há pouca probabilidade de atingir todos os alvos. Poderia pressionar os chineses a cortarem o apoio e as relações comerciais, mas Pequim sempre evitou medidas que pudessem provocar o colapso do regime.

A decisão de intensificar os ataques eletrônicos e cibernéticos, no início de 2014, veio depois de Obama concluir que os US$ 300 bilhões gastos desde a era Eisenhower em sistemas antimísseis tradicionais, muitas vezes comparados com atingir "uma bala com uma bala", haviam falhado no objetivo principal de proteger o território dos EUA.

Testes de voo de interceptores baseados no Alasca e na Califórnia tiveram um índice geral de fracasso de 56%, sob condições quase perfeitas. Em particular, muitos especialistas advertiram que o sistema se sairia pior em um combate real.

Por isso, o governo Obama procurou uma maneira melhor de destruir mísseis. Ele recorreu a técnicas que o Pentágono experimentava há muito tempo sob a rubrica "left of launch", porque os ataques começam antes que os mísseis cheguem à plataforma de lançamento, ou quando acabam de decolar. Durante anos, os oficiais mais graduados do Pentágono e autoridades defenderam publicamente esse tipo de ataque sofisticado em depoimentos pouco notados ao Congresso e em conferências de defesa.

A abordagem adotada no ataque aos mísseis norte-coreanos tem reflexos diferentes da sabotagem liderada pelos EUA e Israel ao programa nuclear do Irã, o mais sofisticado uso conhecido de uma arma cibernética destinada a prejudicar uma ameaça nuclear. Ele foi eficaz durante anos, até que os iranianos o descobriram e se recuperaram. E o Irã representava um alvo relativamente fácil: uma usina de enriquecimento nuclear subterrânea que podia ser atacada repetidamente.

Na Coreia do Norte, o alvo é muito mais desafiador. Os mísseis são disparados de diversos locais de lançamento em todo o país e são deslocados em lançadores móveis, em um jogo complexo destinado a iludir os adversários. Para atacá-los, o momento escolhido é decisivo.

Os defensores da iniciativa sofisticada de manipular remotamente dados internos dos sistemas de mísseis da Coreia do Norte afirmam que os EUA não têm alternativa real, porque o esforço para impedir a Coreia do Norte de aprender os segredos da fabricação de armas nucleares já fracassou.

Em fevereiro de 2013, o Norte iniciou um teste nuclear que produziu uma explosão quase do tamanho da bomba que arrasou Hiroshima. Dias depois, o Pentágono anunciou a expansão de sua força de inteceptores antimísseis na Califórnia e no Alasca. Também começou a revelar seu programa "left of launch" para inutilizar os mísseis antes da decolagem.

O general Martin Dempsey, chefe do Estado-Maior Conjunto, anunciou o programa dizendo que "a guerra cibernética, energia dirigida e ataque eletrônico", uma referência a coisas como malware, lasers e embaralhamento de sinais, estavam se tornando importantes novos acréscimos às formas tradicionais de reação a ataques inimigos.

De todo modo, Kim correu à frente. Em abril passado, engenheiros norte-coreanos acionaram com sucesso um par de motores potentes que poderão projetar ogivas de guerra contra os EUA. Em setembro, a Coreia do Norte testou com êxito uma arma nuclear com mais do dobro da força destrutiva da bomba de Hiroshima.

Mas uma decisão de atacar a capacidade de ataque do adversário pode ter consequências indesejadas, advertem os especialistas. Quando os EUA usarem armas cibernéticas contra sistemas de lançamento nuclear --mesmo em um Estado ameaçador como a Coreia do Norte--, a Rússia e a China poderão se sentir livres para fazer o mesmo, visando mísseis americanos.

Alguns estrategistas afirmam que todos os sistemas nucleares deveriam ser imunes a ataques cibernéticos. "Eu entendo a ameaça urgente", disse Amy Zegart, uma especialista em inteligência e cibersegurança na Universidade Stanford. "Mas daqui a 30 anos poderemos decidir que foi uma coisa muito perigosa de se fazer."

A Casa Branca analisa opções militares contra a Coreia do Norte, segundo uma autoridade graduada do governo Trump. Colocar armas nucleares táticas americanas de volta na Coreia do Sul --elas foram retiradas há 25 anos-- também está sendo considerado, mesmo que isso possa acelerar uma corrida armamentista com o Norte.

O post "Isso não vai acontecer" de Trump no Twitter sobre os mísseis intercontinentais da Coreia do Norte sugere que um confronto maior pode estar próximo.

"Independentemente das verdadeiras intenções de Trump", comentou James Acton, um analista nuclear na Fundação Carnegie para a Paz Internacional, "o tuíte poderá ser visto como uma 'linha vermelha', e portanto estabelecer um potencial teste de sua credibilidade."

Fonte: UOL

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