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Aumento de processos judiciais pode levar setor de saúde ao colapso

A judicialização acaba favorecendo os mais favorecidos

Sexta - 29/07/2016 às 12:07



A judicialização da medicina constitui um dos principais problemas para o setor de saúde no Brasil. As ações judiciais contra o Ministério da Saúde, operadoras e médicos seguem uma curva ascendente e registram cifras astronômicas. Em São Paulo, por exemplo, o governo estadual gasta R$ 114 milhões por mês com as demandas das pessoas que recorrem à justiça. O tema foi debatido em um Simpósio, nesta quinta-feira (28), na Academia Nacional de Medicina (ANM).

Para o presidente da ANM, Dr. Francisco Sampaio, a judicialização acaba favorecendo os mais favorecidos. "São as classes com melhores condições financeiras que têm a oportunidade de ter um bom advogado para pleitear remédios e procedimentos pela via judicial", comentou o acadêmico no evento, que contou com a participação de representantes do sistema público de saúde, da iniciativa privada e de universidades.

Para o secretário estadual de Saúde de São Paulo, David Uip, o Sistema Único de Saúde apresenta quatro desafios que precisam ser superados: o subfinanciamento, a má gestão, o desperdício, e a judicialização, que torna a saúde um setor inadministrável. "Ao ano são destinados mais de R$ 1,2 bilhão para despesas com saúde determinadas pelo judiciário em São Paulo. Atualmente, o governo estadual responde a 50.700 processos de pessoas demandando algum tratamento ou medicamento específico", afirmou o médico infectologista.

De acordo com Uip, um dos principais problemas é a prática, realizada por médicos, de receitar a marca de medicamentos, em vez de indicar o princípio ativo. "Em nossas pesquisas, descobrimos que um remédio específico no varejo custava R$ 949,20, enquanto o genérico valia R$ 35", contou. Essa prática, inclusive, favorece o surgimento de máfias e acordos duvidosos entre profissionais da saúde e laboratórios, que forçam o paciente a comprar remédios que não estão previstos no rol do SUS nem da Saúde Suplementar. A partir daí, o doente se vê obrigado a recorrer ao judiciário para garantir o tratamento.

Uip relembrou, ainda, o caso recente da fosfoetanolamina, um remédio tido como a cura do câncer, que ainda não tem a eficácia comprovada. "Quando a presidente Dilma sancionou a lei, aprovada pelo Congresso, que liberava o uso da substância, choveram liminares judiciais no Brasil inteiro", afirmou o secretário estadual de Saúde de São Paulo. Mesmo sem registro na Anvisa, as pessoas queriam ter acesso ao medicamento e recorriam à justiça para garantir o uso.

O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, que atuou no ministério no segundo mandato do governo Lula, também esteve presente no evento da ANM. Para ele, se faz necessário perguntar as motivações que levam as pessoas a procurar a via judicial. "Estamos falando de procedimentos que devem ser autorizados porque são da ordem da necessidade ou do desejo?", questionou o médico sanitarista. "Hoje vemos juízes e o legislativo prescrevendo remédios", alertou.

Para o professor Giovanni Guido Cerri, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a crise econômica torna propício o aumento de processos judiciais. "Em um momento de tranquilidade econômica, o setor de saúde já enfrentava várias críticas. Com uma situação difícil na economia, a tendência é o aumento de processos. A gravidade estimula ações judiciais", afirmou o professor universitário. 

De acordo Cerri, o judiciário, ao favorecer minorias que entram na justiça, passa a ideia de que o orçamento da União é infinito, comprometendo o equilíbrio das contas públicas. Para ele, algumas medidas são necessárias a fim de diminuir a judicialização, como a ampliação de varas especializadas em saúde, a criação de câmaras técnicas de conciliação e a obrigatoriedade do direito sanitário nos currículos dos cursos de Direito. 

O ministro João Otávio Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, argumenta que o principal problema da saúde não é o subfinanciamento e, sim, administrativo. "O nosso país destina 10% do PIB para a saúde. Não é pouca coisa. O que ocorre é que existe uma má gestão. Isso piorou muito depois que houve a municipalização. Há uma discrepância muito grande entre cidades que têm um excelente sistema de atendimento e outras que nem tanto", disse o jurista.

O evento contou com a participação da diretora do Departamento de Atenção Especializada e Temática do Ministério da saúde, Maria Inez Gadelha. De acordo com ela, a amplitude do conceito de saúde, previsto na Constituição Federal, estimulou o exagero na judicialização. "Atualmente, as pessoas entram na justiça para garantir a aquisição de fraldas. Muitas vezes, é prescrita até mesmo a marca do produto", disse.

A médica informa que muitas liminares tem um conteúdo passional, são inconsistentes, não questionam a prescrição médica e utilizam o conceito equivocado de urgência. "Muitos juízes exigem que o Ministério conceda um remédio específico para um paciente alegando urgência. Como podemos falar que é urgente se deu tempo para chamar um advogado e entrar com uma ação judicial? Há uma confusão no uso deste termo pelo judiciário", comentou.

Fonte: Jornal do Brasil

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