Política

Associações de magistrados alertam: emenda aprovada na Câmara anula o Judiciário

João Ricardo Costa acusa a Câmara de desfigurar completamente o relatório de medidas de combate à corrupção

Quinta - 01/12/2016 às 12:12



Foto: Reprodução Presidente da AMP, João Ricardo dos Santos
Presidente da AMP, João Ricardo dos Santos

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa, considera nociva a decisão da Câmara ao desfigurar completamente o relatório de medidas de combate à corrupção. Ao tirar do texto pontos-chave, anula o poder Judiciário no país. Em depoimento ao jornal O Globo, Costa diz ter “absoluta certeza” de que não é só uma retaliação às investigações em curso, como a Operação Lava-Jato, mas um mecanismo de impunidade.

 “É uma situação bastante dramática para o país porque está anulando o poder Judiciário nacional, está tirando sua função fundamental, que é prezar pela independência e autonomia. O Judiciário brasileiro torna-se refém do crime organizado porque não serão somente os homens de boa fé que irão iniciar processo contra juízes, são também aqueles que querem escapar da punição pelos crimes que praticaram como reflete esse texto que foi aprovado ontem.

A sociedade pediu um texto que possibilitasse o Judiciário combater a corrupção e o Parlamento responde com um texto que anula a ação do poder Judiciário, que blinda e é favorável à corrupção. Não foi isso que a sociedade brasileira pediu. E agora nesse momento que é grave somente o cidadão poderá resolver isso. Nós estamos sendo submetidos a criminalidade empolada daqueles que desviaram dinheiro público, que estão sendo investigados na Operação Lava-Jato. Essa é uma resposta de alguns políticos que estão sendo investigados para abafar e interromper essas investigações.

Temos absoluta certeza de que não é só uma retaliação, mas um mecanismo de impunidade. Eles tentaram através da anistia do caixa dois, não conseguiram porque houve um movimento da sociedade muito forte e agora esse é o plano B. O efeito dessa legislação é o mesmo da anistia, ou seja, vai impedir que o Judiciário atue para punir e afastar da vida pública essas pessoas que saquearam o país. Estamos no Congresso conversando com os parlamentares, porque temos bons parlamentares no Brasil e a sociedade deve apoiá-los. Uma vez esgotada a via legislativa de superação dessa crise, nós vamos apelar para o Supremo Tribunal Federal (STF) porque a inconstitucionalidade desse dispositivo é extremamente patente.

Os agentes, juízes e promotores estão submetidos a todo e qualquer crime no país. Todas as condutas desviantes de juízes e promotores são apuradas e punidas. Jamais se pode ter uma conduta criminosa que possa ser manejada por aqueles que estão sendo investigados. Não pode o réu ter a possibilidade de julgar o juiz. Nós temos no Judiciário nacional um índice baixíssimo de desvios . O próprio Banco Mundial reconheceu que o problema do Judiciário brasileiro não é a corrupção, e sim a morosidade.

Esses dispositivos que vieram ontem, na calada da noite, no meio de uma consternação nacional, na verdade é um mecanismo que reedita as intenções da anistia do caixa dois, visa a impunidade daqueles que estão hoje assustados por estarem sendo investigados, respondendo inquéritos e nessa expectativa de aparecerem mais provas e mais envolvidos em função da delação da Odebrecht.

A crise no Brasil é muito grande e a pauta do Congresso Nacional é a destruição do sistema de Justiça. Não tem outra discussão nesse final de ano que não seja tão emergente do que isso, embora o país esteja com problemas econômicos graves, precisando de reformas em várias áreas. É uma situação extremamente grave e só o cidadão brasileiro pode salvar os poderes constituídos".

Mais reações

A desfiguração do pacote de medidas anticorrupção, aprovada na madrugada desta quarta-feira na Câmara, foi duramente criticada por entidades de juízes a magistrados. Divulgaram nota a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a Associação de Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj) e a Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), discordando das medidas toamadas pelo parlamentares da Câmara. Responsável por apresentar o projeto ao Congresso, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro se disse supresa com a inclusão da responsabilização de magistrados e membros do Ministério Público (MP).

A desconfiguração de pontos chaves da medida é considerada por Roberto Veloso, presidente a Ajufe, um “atentado à democracia" do Brasil. “Enfraquecer a Magistratura criando crimes pela atividade cotidiana dos juízes é favorecer a prática da corrupção”, diz nota divulgada pela associação.

  

A Amaerj lamenta e repudia a aprovação, na Câmara, da responsabilização de membro da magistratura e do Ministério Público por abuso de autoridade, em sua atuação jurisdicional. Em nota, a Amaerj disse que enxerga a aprovação como uma retaliação contra a atuação firme e independente do Judiciário e do MP, demonstrada em ações em todo o país e na Operação Lava-Jato".

  

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Jose Robalinho Cavalcanti disse que a instituição não concorda com "nenhuma alteração que foi feita em Plenário. O pacote não foi aprovado. O que restou dele não pode ser chamado de pacote e pouco tem a ver com as dez medidas."

  

A responsabilização de membros da Magistratura e do Ministério Público incluída no texto que será encaminhado ao Senado foi recebido com surpresa pela Defensoria Pública do RJ e garantiu que "continuará a participar do debate, agora no Senado Federal, a fim de evitar retrocessos que possam alcançar os destinatários de nossos serviços, a população vulnerável."

  

Foi retirada do texto, por exemplo, a criminalização do enriquecimento ilícito e a criação do figura do “reportante do bem”. Os procuradores da República também vêm criticando a previsão de crime de responsabilidade para magistrados, que consideram como uma retaliação às investigações da Operação Lava-Jato.

Também em nota pública, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) afirmou que, na votação, a Câmara dos Deputados “manietou a vontade popular, rasgando o conteúdo original do projeto de lei das 10 medidas de combate à corrupção”. Segundo a entidade, os parlamentares “criaram amarras para impedir as investigações” e punir promotores e juízes “que estão conseguindo colocar atrás das grades detentores de poder político e econômico”.

Fonte: O Globo

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