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ECONOMIA

Hidrogênio Verde - O discurso ambiental ao serviço dos interesses econômicos

O “segredo” é o desenvolvimento de ciência e tecnologia próprias para todo o arranjo produtivo

Segunda - 26/06/2023 às 17:21



Foto: Reprodução Hidrogênio verde
Hidrogênio verde

A coluna abre espaço hoje para a opinião, pesquisa e visão do professor-doutor do Piauí, José Machado Moita Neto, pesquisador da UFDPar, que analisa os discursos e a narrativa criada pelos governos em torno daquele que promete ser a nova saída para o desenvolvimento econômico do Piauí, o Hidrogênio Verde.

Confiram o artigo:

A expressão “o segredo é a alma do negócio” mantêm a vitalidade, mesmo na época de extrema transparência possível, trazido pela internet. Agora, o segredo está em fazer bastante barulho em torno de um assunto. Negócios impensáveis ou de nicho podem ser transformados na oferta de commodities, desde que construídos estrategicamente a partir de muito barulho. O barulho é conseguido através de diversos grupos que têm uma pequena parcela a ganhar se um arranjo produtivo da commodity for montado. Cada um destes grupos passa a fazer discursos de grandes visionários ou militantes de nobres causas para que as condições de formação desse arranjo sejam atingidas.

Os discursos bem formulados dificultam identificar quem pode ganhar ou perder dentro dessa cadeia, pois apenas de modo marginal isto é colocado. Além disso, esses discursos formam uma rede virtuosa que conclama ao consenso toda a sociedade, cooptando também quem não participará direta ou indiretamente das vantagens desse modelo de negócio. A existência de discursos muito parecidos, vindo de todos os lados, os transformam em hegemônicos dentro da sociedade de modo que o risco de um empreendimento, próprio do sistema capitalista, é dissolvido nessa estratégia.

De fato, a análise PESTLE já havia identificado a inviabilidade do negócio há bastante tempo, devido ao conjunto de fatores políticos, econômicos, sociais, tecnológicos, legais e ambientais. Contudo, a resiliência de quem pode ganhar muito dinheiro está em perceber que tal análise é apenas uma fotografia de momento e é possível manipular todos os cenários para fazer cair cada um dos fatores que podem prejudicar o negócio e tudo isto pode ser feito com baixíssimo investimento, apenas com um forte apelo emocional ou militante por um mundo melhor.

José Machado Moita Neto (Pesquisador da UFDPar)Estamos viabilizando ideias gestadas fora do Brasil e que usarão tecnologias que não foram geradas no Brasil. A direção tomada pelos países ricos é investir em qualidade e inovação para ter em suas empresas um portfólio de produtos de alto valor agregado, deixando para os demais países a condição de produtores de commodities (grande quantidade e baixo custo) e de consumidores dos produtos tecnológicos. Essa condição de dependência tecnológica é acentuada por investimentos externos carimbados em setores específicos da atividade econômica dominada por empresas transnacionais.

Essa história se repete há bastante tempo e a bola da vez agora é o hidrogênio verde. Haverá investimento para aquisição de equipamentos com tecnologia dos países ricos e garantia de aquisição, ao menos inicial, por tais países da união europeia, como a Alemanha, por exemplo. Em suas estratégias, as empresas transnacionais já desenvolveram o mesmo discurso em diversos países do globo para garantir que o hidrogênio verde seja um produto barato e abundante no mercado. Como investidores são avessos a riscos, por mais contraditório que teoricamente isto pareça, o Projeto de Lei do Senado 725/2022 está cuidando do “incentivo ao uso do hidrogênio sustentável2 ”, garantindo o L da análise PESTLE de viabilidade.

Na esfera política, o Ministro da Fazenda e a Ministra do Meio Ambiente em Davos deram demonstração que “compraram” (ou morderam) o discurso do hidrogênio verde, garantindo a letra P da análise PESTLE. Infelizmente, quem vai garantir a letra T (fatores tecnológicos) serão as empresas transnacionais, sobrando para as pequenas empresas brasileiras fazerem “cursinhos” de preparação de mão de obra para uso da tecnologia e de confecção de projetos de implantação de sua produção. Essas pequenas empresas são as que hoje auxiliam a propagar as virtudes do hidrogênio verde por diversos meios e canais. Aspectos econômicos, sociais e ambientais serão resolvidos (Letras restantes da análise PESTLE) dentro desse grande consenso onde predomina a ignorância, ingenuidade e falta de visão estratégica para o setor, porém dourado por um belo discurso.

O “segredo” é o desenvolvimento, por esforço nacional, de ciência e tecnologia próprias para todo o arranjo produtivo do hidrogênio verde para, em um futuro distante, ser também protagonista nesse setor e não mero espectador (como fomos e somos na energia solar).

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Cintia Lucas

Cintia Lucas

Cintia Lucas é jornalista formada pela Universidade Federal do Piauí e mestra em Comunicação pela mesma instituição. A coluna vai abordar os bastidores da notícia, com foco em temas de interesse público. Contato: cintialuc1@hotmail.com

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